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Covid-19 é pior que a crise de 1929?

César Esperandio

05/05/2020 04h00

Há muita gente falando que a crise do coronavírus pode ser pior que a crise de 1929, que ficou conhecida como "Grande Depressão", por ser a maior crise da história. Mas será que é isso mesmo?

Eu sou César Esperandio, economista do Econoweek, a tradução da economia e das crises. E agora vou contar o que aconteceu na Crise de 1929 e quais são as semelhanças e diferenças com o que vivemos hoje.

A história da Crise de 29

A Crise de 29, que também ficou conhecida como A Grande Depressão, começou com o Crash da Bolsa americana no ano de 1929 e é considerada a maior crise da história.

Curiosamente, uma das principais interpretações dessa crise é que ele teve início pouco depois da Primeira Guerra Mundial e chegou de fato ao fim apenas depois da Segunda Guerra Mundial.

A Primeira Guerra Mundial ocorreu em terreno europeu, entre 1914 e 1918, com os Estados Unidos fornecendo alimentação, armamento e empréstimo aos seus aliados, e saindo ileso já que não houve batalha em solo americano.

Com o fim da guerra, a Europa estava destruída e, mais uma vez, os Estados Unidos reforçaram a ajuda na reconstrução, aumentando sua hegemonia econômica e ficando ainda mais ricos com o crescimento industrial, vendendo de tudo para os países destruídos, além de contar com forte expansão do crédito, com o mercado financeiro bastante desregulamentado.

Os "loucos anos 20", como ficou conhecido esse período nos Estados Unidos, foi marcado por crédito abundante e consumo desenfreado. Até que chegou um momento em que o ciclo de compras de bens duráveis, como carros e eletrodomésticos, foi perdendo força, e muitos começaram a investir na Bolsa, em vez de gastar tudo.

Com excesso de otimismo e amplo acesso ao crédito, várias pessoas passaram a se endividar para comprar ações na Bolsa de valores.

No vídeo acima, mostrei que como a Bolsa subia muito, era possível pagar o empréstimo e ainda sobrar dinheiro.

Mas a Bolsa passou por uma supervalorização. Especialistas dizem que a alta ocorreu em ritmo muito maior que o crescimento real da economia e das empresas.

Entre 1921 e 1929, a Bolsa subiu quase 500%.

Muita gente (incluindo pessoas, bancos e empresas) acreditava no enriquecimento rápido e fácil. Bastava colocar dinheiro na Bolsa, que o investimento se multiplicaria e todos ficariam ricos.

Quase sem nenhuma regulação, havia várias fraudes, com muitas empresas que surgiam abrindo capital na Bolsa, depois de um IPO, cuja única função era captar recursos para investir em ações de outras empresas, impulsionadas por investidores que pegavam dinheiro emprestado para investir, alimentando um ciclo vicioso. Era uma bolha em franca ascensão.

Com a Europa terminando sua reconstrução e voltando à normalidade, os Estados Unidos deixaram de exportar tanto quanto antes, e o consumo interno não acompanhou tudo o que estava sendo produzido.

A produção estava muito acima da demanda americana e, assim, os preços das coisas começaram a cair bastante. Nessa hora, muitos bancos pequenos começaram a falir, principalmente ligados ao agronegócio, cuja população já enfrentou o desemprego mais cedo diante da mecanização das lavouras.

Os preços das ações começaram a dar os primeiros sinais de queda e vários investidores experientes perceberam isso, mas a maioria dos inexperientes continuou investindo com muita força. A materialização do problema de fato ocorreu em 24 de outubro de 1929, no dia que ficou historicamente conhecido como Quinta-feira Negra. Houve o Crash da Bolsa americana.

Muita gente foi à Bolsa tentar vender suas ações, mas quase ninguém estava disposto a comprar essas ações.

Dessa maneira, os preços das ações caíram abruptamente.

Entre o pico da Bolsa em 1929 e o pior ponto da crise, em meados de 1932, a Bolsa caiu de 380 para ao redor de 40 pontos. Foi uma queda de 90%.

Foi aí então que as pessoas foram aos bancos retirar o dinheiro de suas contas. Mas perceberam que vários bancos também investiam agressivamente na Bolsa, e estavam falindo. Mais de 5 mil bancos fecharam as portas nos Estados Unidos durante essa crise.

No final das contas, as pessoas perderam seus investimentos na Bolsa e muitos também ficaram sem suas economias nas contas bancárias, além de perderem seus empregos, já que muitas empresas decretaram falência.

Vale lembrar que as empresas que investiram muito na Bolsa começaram a falir primeiro, mas, com a alta do desemprego, outras também começaram a quebrar porque não tinha mais cliente disposto a comprar seus produtos.

Para piorar, como os Estados Unidos se consolidaram como o grande centro financeiro mundial, vários outros bancos e empresas começaram a falir em outros países, principalmente na Europa, outro centro comercial e financeiro desenvolvido no período.

É claro que o Brasil também sofreu com isso. Na época, praticamente só vendíamos café para o resto do mundo, que deixou de ser consumido, já que que não era um bem essencial, que logo foi cortado do cardápio.

O PIB americano, a soma de todas as riquezas produzidas no país, a encolher 1/4 do tamanho entre 1929 e 1933, já considerando a inflação. E o desemprego atingiu 25%. É como se uma a cada quatro empresas deixasse de existir. Ou como se uma a cada quatro pessoas perdesse o emprego.

Com o governo e a economia americana marcados pelo liberalismo quase em sua forma mais pura, e o mercado financeiro praticamente sem regulamentação (e sem socorro), não havia seguro-desemprego nos Estados Unidos, agravando a situação das famílias.

O Presidente dos Estados Unidos, Herbert Hoover, pouco fez para combater a crise, já que a crença no liberalismo mais extremo dizia que a economia se autorregularia e tudo voltaria ao normal sem que nada precisasse ser feito.

Foi só em 1934 que a economia começou a dar os primeiros sinais de que sairia do atoleiro que se meteu.

Sem os efeitos esperados, foi eleito um novo presidente americano, Franklin Roosevelt, que mudou radicalmente o combate à crise e instalou um plano chamado de New Deal.

O New Deal era um plano de grande intervenção do Estado na economia, aumentando a regulação do mercado financeiro, o controle de produção, criou o salário mínimo e a jornada de trabalho reduzida, além do seguro-desemprego, e, principalmente, começou várias obras bancadas com o dinheiro público, como construção de ferrovias, portos, e instalação de rede de eletricidade no campo. Tudo para gerar empregos.

Mesmo assim, o estrago já estava feito e os resultados foram limitados.

Ao mesmo tempo, crescia uma onda de aversão ao liberalismo por causa dos efeitos da crise, fazendo ganhar corpo movimentos extremistas no mundo todo, com o Comunismo de um lado, e regimes fascistas e nazista de outro, que prometiam o fim do desemprego.

Foi justamente esse um dos fatores que alimentou o surgimento da Segunda Guerra Mundial, que, quando terminou, consolidou a recuperação econômica dos Estados Unidos e do mundo, por mais contraditório que isso possa parecer.

Até hoje, os economistas não são unânimes em apontar as causas dessa crise.

Há quem diga que o Fed, o Banco Central americano, devia ter socorrido os pequenos bancos logo nas primeiras falências, o que não aconteceu.

Keynes, cujas teorias se inspiraram em boa parte no New Deal, defendeu que houve uma crise de superprodução, com aumento dos lucros das empresas, que não foi acompanhado pelo ganho de poder de compra e salário dos mais pobres, que não podiam usufruir dos bens produzidos e não formavam um mercado consumidor robusto.

A solução que ele teria dado seria ajuda do governo ou corte de impostos dos mais pobres antes de a crise se instaurar. E algo como o New Deal, depois que o estrago já estava feito.

Há outra linha importante que condena o New Deal e as ideias de Keynes, mostrando que a crise teria sido superada mais rapidamente se o socorro tivesse sido mais pontual, já que todos os gastos públicos foram pagos pela própria população via aumento de impostos. E a crise só de fato terminou depois do governo cortar os gastos substancialmente depois da Segunda Guerra Mundial.

Sem muito consenso, o fato é que a Bolsa americana só recuperou o mesmo nível de antes da Crise de 29 em 1954. 25 anos depois.

A crise da covid-19 - Diferenças e semelhanças

O que dá para comparar da Crise de 29 com a crise atual? Pouca coisa.

No vídeo acima, mostrei que a Grande Depressão foi uma crise possivelmente gerada principalmente por otimismo exagerado no crescimento na Bolsa de Valores, com a crença de enriquecimento fácil e rápido com esses investimentos.

Tudo isso, favorecido pelo mercado financeiro praticamente sem nenhuma regulação e cheio de coisas que hoje seriam consideradas fraudes.

Atualmente, não há nenhum sinal de que passamos por uma bolha generalizada e da mesma proporção.

Há críticos que dizem que algumas empresas ou setores estariam de fato supervalorizados, mas isso não parece que se aplica a toda a economia de maneira generalizada.

Por outro lado, o fator principal é que a crise atual não foi gerada por excesso de otimismo na Bolsa (embora muita gente se animou e investiu mais do que devia, com a queda da Selic e do rendimento da renda fixa no Brasil, e dos juros baixos no mundo).

O que aconteceu é que estamos passando por um problema de saúde global em que qualquer pessoa pode ser um potencial transmissor do coronavírus, o que fez que quase o mundo inteiro mandasse as pessoas ficarem em casa.

Isso fez a produção global cair drasticamente e pessoas perderem os empregos, mas não há uma perda de fé no liberalismo, como aconteceu em 1929.

Também não há um sentimento de que o mercado financeiro é perigoso por ser muito desregulamentado.

Ao contrário, estamos próximos do período de maior regulamentação do mercado financeiro da história, principalmente desde a crise mais recente, de 2008. E toda a economia é muito mais regulada e cheia de regras do que naquela época.

Preferi não falar mais sobre a crise de 2008 para não deixar o texto muito longo. Mas se você gostar desse conteúdo, podemos fazer mais coisas desse tipo, comparando a crise atual com outras crises da história. Que outra crise gostaria de saber? Deixe seu comentário em qualquer uma das redes sociais do Econoweek.

A verdade é que não interessa o regime vigente, quais presidentes estão atualmente no poder, o quão regulamentado é o mercado financeiro... A crise do coronavírus aconteceria porque é uma doença e isso estaria causando todos esses problemas, independentemente de qualquer coisa.

Na verdade, se fossemos tão imprudentes como naquela época, os efeitos econômicos seriam até piores do que estão sendo.

Para falar das semelhanças entre as duas crises, em toda queda da Bolsa, como em um crash, há as motivações racionais para a queda e a parte de exagero e efeito manada.

Tanto na crise de 29, como na crise atual, isso aconteceu. O que não significa que não haja consequências.

Muita gente fica pessimista, vende tudo, assume o prejuízo e, depois as coisas voltam a subir. Embora possa não ser rápido.

O que fazer?

O que temos que fazer é o que já tem sido feito, na minha opinião.

A melhor resposta que a ciência encontrou, até agora, para evitar proliferação da doença é o distanciamento social.

Para combater os efeitos econômicos desse distanciamento, os governos e bancos centrais ao redor do mundo estão dando a ajuda necessária, já que ninguém deveria passar fome nessa crise.

Também estão tentando evitar que as empresas quebrem, o que aumentaria muito o desemprego e dificultaria a recuperação econômica quando as coisas começarem a voltar ao normal, já que muitos estariam com menos dinheiro para voltar a consumir e fazer a economia girar.

Quando as coisas vão melhorar?

Muita gente me pergunta se é hora de investir. Como mostrei no vídeo acima, acredito que as coisas vão melhorar, mas não vai ser rápido. Então, precisa ter a clareza de que não vai precisar do dinheiro investido tão rápido, se for investir em ações.

As coisas mudam muito rapidamente já que tudo é novidade e novos consensos de como combater o problema ainda estão sendo concluídos entre os cientistas, autoridades de saúde, como a ONU, governos e bancos centrais.

O FMI projeta que o Brasil vai ter uma queda de 5,3% no PIB de 2020, com o desemprego podendo passar dos 14%. Mas deve voltar a ter crescimento de um pouco mais de 2,9% em 2021, com o desemprego recuando um pouquinho (13,5%).

Nos Estados Unidos, a expectativa é que o PIB caia 5,9% em 2020, queda maior que a do Brasil, mas também tenha recuperação maior que a nossa em 2021 (+4,7%). O desemprego por lá deve chegar em 10,4% nesse ano, recuando para 9,1% em 2021.

É claro que isso é ruim para todo mundo, mas a crise atual parece bem distante da queda do PIB de 25% que aconteceu durante a Grande Depressão americana. E os motivos dessa crise, diferente da de 1929, vão passar.

Quando vamos sair dessa crise? Conte aqui nos comentários ou fale com a gente no nosso canal do YouTube, Instagram e LinkedIn. Também é possível ouvir nossos podcasts no Spotify. A gente sempre compartilha muito conhecimento sobre economia, finanças e investimentos. Afinal, o conhecimento é sempre uma saída!