É hora de todos pagarem a conta do ajuste fiscal
O pacote fiscal a ser anunciado pelo governo federal deve colaborar para restabelecer um padrão mínimo de confiança e credibilidade na política fiscal. O déficit melhorou, desde o ano passado, em boa medida em razão das ações tomadas pelo lado da receita. Mas é preciso ir além.
No artigo anterior, mostrei algumas opções de medidas pelo lado das despesas primárias (que não incluem os juros da dívida). Mesma importância deve ser dada aos chamados gastos tributários, as renúncias de receitas públicas relacionadas a benefícios, incentivos, regimes especiais, etc.
Segundo o Demonstrativo de Gastos Tributários (DGT), documento que acompanha o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2025, há mais de R$ 540 bilhões em renúncias de receitas para o ano que vem. Ainda que esse volume não represente o real potencial arrecadatório, ele congrega iniquidades que precisam ser corrigidas em benefício do equilíbrio fiscal e da justiça econômica e social.
Ora, se o abono salarial, o seguro-desemprego e o BPC contêm distorções que devem ser corrigidas, por que não fazer o mesmo com uma série de benefícios tributários carregados por anos a fio no Orçamento geral?
O primeiro passo é avaliar os gastos tributários, mostrando à sociedade sua utilidade, por meio de análises criteriosas de custo e benefício. Os incentivos, regimes especiais e similares que não estejam apresentando resultado à altura do preconizado pela lei que os criou devem ser cortados.
Esse movimento, obviamente, daria um trabalho hercúleo, mas resultaria numa reforma importante nessa cunha orçamentária que saiu do controle institucional e social há muito. A própria Emenda Constitucional 109, derivada da PEC Emergencial, da lavra do ex-Ministro Paulo Guedes, previa um plano de revisão de gastos tributários. Ele foi encaminhado ao Congresso, que até hoje não endereçou o assunto.
A restrição orçamentária é uma realidade. Não adianta lutar contra ela. Melhor que a população, o Congresso e o governo se conscientizem a esse respeito. Todo mundo quer um gasto, um incentivo, um penduricalho para chamar de seu. O resultado agregado é a perda de bem-estar coletivo, com baixo crescimento econômico e dívida pública alta e crescente.
O planejamento orçamentário tem de retornar à ordem do dia. O Orçamento público é debatido apenas na parte que toca diretamente os parlamentares: emendas. Veja o caso do recém-aprovado projeto de lei para "resolver" a questão das emendas, após decisão (acertada) do Supremo Tribunal Federal.
O projeto conseguiu a proeza de piorar o regime atual. Carimbaram volume recorde de dezenas de bilhões para essa fatia do gasto, corriqueiramente destinado de modo pulverizado e não associado a obras de relevo para a economia e o desenvolvimento nacional. Adequaram-nas à taxa de crescimento real máxima de 2,5%, à guisa de "cumprir" o Novo Arcabouço Fiscal, mas, na verdade, garantiram um crescimento eterno e uma blindagem sem paralelo para outras despesas realmente relevantes.
Enquanto não avançarmos com uma reforma orçamentária, para valer, os penduricalhos vão se agigantar e se multiplicar. A discussão do novo pacote de cortes de gastos poderia ensejar esse debate mais amplo.
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