O início de Trump e o 2º tempo de Lula
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No segundo tempo do jogo de seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará um contexto internacional e uma conjuntura doméstica menos óbvios.
A posse do presidente Donald Trump, nos EUA, inicia um novo ciclo para aquela economia e para o mundo. As consequências não são, ainda, claras. Para países do grupo emergente, o contexto será certamente mais adverso do que sob a gestão Joe Biden. Instituições como a OMC (Organização Mundial do Comércio), o FMI (Fundo Monetário Internacional) e os organismos multilaterais, em geral, serão fundamentais.
No Brasil, a política fiscal continua a ser o principal obstáculo à organização da economia e ao realinhamento das expectativas, em benefício de uma gestão menos intranquila da dívida pública e da possibilidade de apresentar-se um segundo tempo positivo às perspectivas do incumbente e da população. O risco a evitar: medidas populistas ligadas à expansão fiscal, notadamente em um contexto externo distinto.
Vale observarmos alguns dados da economia americana. Em termos anualizados, os EUA apresentam um ritmo de crescimento real em torno de 3% e inflação em 2,9%, este já no dado de encerramento do ano. A autoridade monetária, o Fed (Federal Reserve), tem promovido um ciclo de redução dos juros, hoje na faixa de 4,25% a 4,5% ao ano.
O movimento iniciou-se, no ano passado, tendo em vista o bom comportamento dos preços, não só pelo chamado CPI (índice de preços ao consumidor), como também pela dinâmica do PCE (que congrega itens mais relacionados ao consumo pessoal). Este último, referência para as decisões do Fed, estava pouco acima da meta estipulada por lá (2%), em 2,4%.
A tônica dos discursos de Trump tem sido a de ampliação do protecionismo, com nova política tarifária para brecar importações, além de outras ações contra imigrantes e, possivelmente, uma postura mais ativa nas duas guerras em curso no mundo. Para a economia, incertezas representam riscos e, portanto, podem conduzir a inflação, os juros e os principais indicadores para uma dinâmica oposta à que se observou no período recente.
Os juros americanos mais baixos representam um vetor importante para o resto do mundo. Países como o Brasil, que têm uma conta capital e financeira, no balanço de pagamentos, bastante aberta, sofrem a influência do diferencial de juros (internos e externos), com efeitos diretos sobre a dinâmica da taxa de câmbio, isto é, do preço do dólar medido em reais.
Neste momento, o Banco Central pratica uma elevação da Selic, que deve perdurar ainda por boa parte do ano corrente. Isso ocorre enquanto o Fed reduz os juros americanos, movimento que pode ser interrompido ainda em janeiro, na próxima reunião do Fomc (comitê correlato ao nosso Comitê de Política Monetária, o Copom). Se, com a redução dos juros por lá, nossa vida não estava fácil, a interrupção das quedas dos juros americanos colocará ainda mais pressões por aqui.
A taxa de câmbio tem sido influenciada pelas perspectivas para a evolução da política fiscal, mas também pelo cenário turvo que se desenha com a eleição de Donald Trump. O movimento do real não é, propriamente, dele, mas, antes de tudo, um movimento do dólar.
Esse cenário mais turbulento, lá fora, enseja maior prudência no tratamento das questões essenciais que tocam a política econômica brasileira. O déficit público, incluindo os gastos com juros, circunda a casa dos 10% do PIB (Produto Interno Bruto).
A dívida pública brasileira só deve ter arrefecido, no final de 2024, em razão da venda de reservas internacionais, que reduz a dívida sob gestão do Banco Central (as operações compromissadas). De todo modo, a venda de divisas ocorreu em meio às ações necessárias para apagar os incêndios causados pela intensa subida do dólar. Não é sintoma de saúde, mas de fragilidades estruturais, exacerbadas por um contexto mais adverso.
No segundo tempo do jogo, o presidente Lula tem a tarefa de conduzir a economia sem deixar a peteca cair e sem ceder ao canto das sereias. Os resultados da primeira metade de sua gestão são positivos, com desemprego em níveis historicamente baixos, inflação controlada, apesar do rompimento da meta estipulada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), crescimento econômico alto, e redução dos indicadores de pobreza e miséria.
O restabelecimento de uma normalidade institucional, do respeito às regras do jogo, das negociações com o Congresso e de uma política externa que recolocou o país no mundo deve ser celebrado. Mas, daqui em diante, a situação externa será muito mais desafiadora. Internamente, é hora de um ajuste fiscal sólido.
Em 2024, o déficit primário (sem incluir os pagamentos de juros) melhorou, encerrando provavelmente em 0,4% do PIB, como mostrei na última coluna. A meta deve ter sido cumprida, dados os abatimentos de gastos com o Rio Grande do Sul, situando-se o resultado para essa finalidade em algo como 0,13% do PIB. A saber, a meta fiscal zero tinha uma banda inferior de 0,25% do PIB.
Apesar de positivo, esse resultado não pode levar a uma acomodação. O pacote fiscal anunciado no fim do ano passado deve ser aprimorado e incrementado, para que o governo consiga fornecer ao mercado um horizonte claro de estabilização da dívida pública como proporção do PIB.
A política externa e a política econômica precisarão andar de mãos dadas, a fim de que consigamos navegar nesse novo mundo que se inicia hoje com a posse de Donald Trump. Equilibrar os pratos, aproveitar as oportunidades do multilateralismo e segurar o ímpeto por gastos novos, sobretudo se a economia desacelerar (como já consta nas projeções de todos), são desafios prementes.
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