Felipe Salto

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Opinião

A popularidade de Lula e a economia

A última pesquisa divulgada pelo Datafolha representa um sinal vermelho para o governo. Algo não anda bem, e o cerne dos problemas está na economia.

Se o PIB segurou o governo, no primeiro biênio, agora ele pode ser o seu algoz, a começar pela volta da carestia.

A inflação de alimentos, sobretudo dos itens de primeira necessidade para os brasileiros, como o café, o arroz, as carnes etc., é a protagonista desse capítulo desafiador para o governo Lula.

Os benefícios sociais aumentaram, inclusive o BPC, mas a força dos preços de alimentos, na esteira do dólar, neutraliza os ganhos de renda. O salário real, quando recordamos que a cesta dos diferentes grupos populacionais é distinta (maior ou menor peso para alimentos, roupas e gasolina, por exemplo), não está vencendo o mês.

De outro lado, a falta de um compromisso mais firme com a recuperação de resultados positivos nas finanças públicas alia-se às incertezas externas para pressionar o Banco Central a elevar os juros básicos.

É assim que os benefícios do primeiro tempo do jogo do atual mandato do presidente Lula, marcadamente, o crescimento econômico elevado e o desemprego baixo, com inflação sob controle, podem se desmanchar no ar.

Os juros elevados ajudarão a conter a inflação, por meio da desaceleração da atividade econômica. O dólar, por sua vez, deve ceder a essa carga pesada da Selic, mas a dissipação dos riscos hoje precificados pelos investidores só se completará com um programa de ajuste fiscal mais firme.

É preciso manter as diretrizes adotadas até aqui, mas ampliar as medidas tomadas. Não se espera uma política fiscal de tesouradas irresponsáveis, até porque a economia já está iniciando processo de desaquecimento. Mas o governo precisa buscar, sim, um plano orçamentário que conduza o país, em poucos anos, à retomada das condições de sustentabilidade da dívida/PIB.

Inflação de alimento origina-se, em boa medida, no dólar caro, como já discuti neste espaço. Diminuir a temperatura do paciente e restabelecer padrões mínimos aceitáveis são as ações emergenciais. Somente a elevação dos juros, como vemos neste momento, acabará reduzindo sobremaneira a tração do crescimento econômico.

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Para que os juros possam voltar a diminuir, ainda neste ano, será preciso aceitar as recomendações também no âmbito da política fiscal.

No lugar de inventar anedotas e histórias sem nexo para justificar ou fazer graça com uma situação tão grave, é hora de o presidente Lula reforçar a agenda econômica. Se, no início do mandato, em 2023, optou por promover uma expansão fiscal, com lastro naquela promovida no último ano do governo anterior, agora é o momento de segurar as rédeas.

Tudo começa com o bloqueio das bolas divididas no Congresso. Também passa por fazer dos limões da isenção de cinco mil reais uma limonada para avançar sobre a necessária reforma da tributação da renda. Em terceiro lugar, fortalecer o compromisso com a responsabilidade fiscal por meio de um Orçamento crível para 2025.

Além da inflação de alimentos, o país está padecendo de um outro mal estruturalmente tão grave quanto. Trata-se da falência do Estado no quesito de investimentos.

As emendas parlamentares tomaram proporções inaceitáveis, o Executivo não consegue entregar projetos relevantes ao crescimento de longo prazo e o gasto público torna-se cada vez mais pulverizado. Nesse contexto, o setor privado não tem como prosperar.

A terapia de elevar salário mínimo, gastos sociais e salários de servidores não é mais do que uma quimera. Turbina a demanda agregada e produz mais e mais voos de galinha.

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Há tempo para consertar o rumo e entrar no período eleitoral com entregas e programas à altura do desafio socioeconômico do Brasil. Para isso, os velhos preconceitos terão de ser abandonados.

Em um contexto internacional adverso, notadamente com o destino dos Estados Unidos pautado por uma agenda definida em doses diárias de surrealismo e maluquices, como se fosse um programa de televisão, em episódios, a responsabilidade do Brasil aumenta e a entrega de resultados palpáveis, por aqui, dependerá de uma liderança forte combinada com o uso intenso da burocracia permanente do Estado.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sempre diz que as pessoas votam em quem é capaz de inspirar confiança. A pesquisa Datafolha mostra que, ao menos neste momento, o governo atual perdeu esse condão.

O enfrentamento de crises e de situações complexas exige equipe preparada, seriedade, transparência e reconhecimento dos erros cometidos. As bravatas não fazem efeito.

Melhor dizendo, só pioram a situação. O problema do governo não está na falta de comunicação. Está na comunicação excessiva, concentrada em um presidente que se mostra perdido e que precisará apostar mais incisivamente no receituário técnico para evitar uma indesejável deterioração da economia nacional.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.