Os bons e maus agouros do PIB de 2024

Ler resumo da notícia
O IBGE comunicou, na última sexta-feira, que a economia brasileira cresceu 3,4% em 2024. A taxa acumulada no primeiro biênio do mandato do presidente Lula é de 6,7%. Trata-se de desempenho positivo, mas difícil de ser igualado em 2025 e 2026. Juros altos, na esteira de uma política fiscal ainda insuficiente, fundamentam esse prognóstico.
No final de 2024, as cores do filme já começavam a mudar, com alta real de apenas 0,2% no trimestre encerrado em dezembro. Essa desaceleração era esperada e refletiu, sobretudo, os efeitos iniciais da alta dos juros. Por sua vez, ela se fez necessária em meio às dificuldades do governo para reencontrar a sustentabilidade da dívida pública. As incertezas externas também devem ser lembradas, afinal, catapultaram o dólar para quase R$ 6,30 no fim do ano passado.
A abertura do PIB de 2024 indica que os investimentos aumentaram 7,3% além da inflação. O consumo das famílias cresceu 4,8%, e o consumo do governo, 1,9%. Do lado da oferta ou da produção, se preferir, o setor de serviços avançou 3,7%, a indústria cresceu 3,3%, e o agronegócio encolheu 3,2%. O PIB per capita subiu 3% frente a 2023, totalizando R$ 55.247,45. Mutatis mutandis, ainda uma fração da média dos países ricos.
O consumo das famílias representou R$ 7,5 trilhões, em um PIB total de R$ 11,7 trilhões (64%). O investimento (formação bruta de capital fixo) totalizou R$ 2 trilhões (17% do PIB de 2024). O consumo do governo alcançou R$ 2,2 trilhões ou cerca de 19%. Portanto, a expansão do consumo das famílias sustentou o PIB pela ótica da demanda.
Apenas um parêntese. O PIB pode ser calculado tanto pela ótica da demanda ou consumo quanto pela ótica da oferta ou produção. A terceira forma de cálculo do PIB é pela ótica da renda. As três metodologias levam ao mesmo resultado. Por exemplo, aquilo que alguém consumiu (demanda) foi produzido por uma firma (oferta) e gerou determinado volume de salários e lucros (renda).
Pelo lado da produção, os serviços atingiram R$ 7 trilhões ou 60% do PIB, enquanto a indústria ficou em R$ 2,5 trilhões ou cerca de 21%. Finalmente, o agronegócio totalizou R$ 0,7 trilhão ou 6% do produto total. Assim, a maior contribuição para o crescimento do PIB de 2024, pelo lado da oferta, considerando-se a taxa de variação e o tamanho do setor, veio dos serviços.
Essa dinâmica de crescimento baseada em consumo e serviços, além do desempenho relevante do investimento e da indústria, não tem como se sustentar em 2025 e 2026. A questão central é que, na presença de uma política monetária contracionista, a desaceleração é líquida e certa, como tenho escrito há bom tempo. E os efeitos não são imediatos; há defasagem tanto na ida quanto na volta dos juros.
O objetivo do Banco Central é conter a inflação. Ele reage a dados realizados, mas, principalmente, às expectativas informadas pelos agentes do mercado. Assim, elevam-se os juros básicos para turbinar o custo do crédito, desestimular o investimento e o consumo. O resultado esperado é o desaquecimento da atividade econômica e uma variação menos intensa dos níveis de preços da economia (inflação mais contida).
Os juros mais altos também afetam o dólar, porque estimulam a entrada de capitais estrangeiros, estes à procura de retorno suficiente para compensar o risco. A comparação das taxas de juros, aqui e lá fora, é importante por esta razão: um diferencial elevado entre juros internos e externos, tudo o mais constante, atrai mais capitais e, assim, o dólar cai. Para a inflação, um bom negócio, já que as importações ficam mais baratas, tanto de bens finais como de componentes usados pela indústria e por outros setores.
Ocorre que a alta de juros em curso não teria sido necessária ou, no mínimo, poderia ter sido bem mais branda e menos duradoura, se a política fiscal estivesse em melhores condições. O déficit nominal (que inclui todos os gastos, inclusive com juros da dívida), de 8,5% do PIB, as pressões sobre os gastos e o contínuo aumento da dívida pública deixam de molho as barbas do mercado. Pior, levam a especulações e apreensões, muitas vezes justificadas; outras, não.
O exagero nos juros também pressiona os gastos do governo, dado que a dívida pública está atrelada à Selic em mais de 50%. Para ter claro, metade da dívida caminha com o aumento da Selic (em razão dos títulos chamados pós-fixados).
O resumo da ópera é que o crescimento alto - e não em ritmo de espasmos -, requer uma agenda de ajuste fiscal mais firme, capaz de indicar um horizonte à obtenção das condições de sustentabilidade da dívida em relação ao PIB. Os juros seriam permanentemente menores e o crescimento na casa de 3,5% não teria sido motivo para preocupação do ponto de vista das pressões inflacionárias.
Mas não é só de ajuste fiscal que vive a prosperidade. Trata-se, também, de debater o planejamento das ações do Estado na área de investimentos em infraestrutura e a expansão da corrente de comércio com o resto do mundo. Só há esses dois jeitos para aumentar, de fato, o PIB.
A abertura dos dados do último trimestre de 2024 mostra que o bom resultado já começara a mudar no ano passado. O consumo das famílias caiu 1% no último trimestre. O investimento desacelerou para aumentar apenas 0,4%. A indústria e os serviços ficaram praticamente estacionados (0,3% e 0,1%, respectivamente). O setor agropecuário despencou 2,3%.
Não há surpresa em colher desaceleração quando se planta aperto monetário. É assim que a economia funciona e era esse o objetivo, não custa lembrar, para, no fim das contas, tentar domar a inflação.
Por outro lado, o Banco Central poderá interromper o ciclo de elevação dos juros antes do previsto e, talvez, em patamar mais baixo do que o mercado vinha apontando, sob pena de jogar o país numa recessão.
A coordenação entre as políticas fiscal e monetária tem de ser maior. Não se deve por fogo na casa para assar o leitão, como dizia José Serra. Se a direção adotada pelo antigo e pelo novo Banco Central é a correta, mediante às pressões inflacionárias, a intensidade precisará ser revista.
O PIB de 2025 crescerá, provavelmente, abaixo de 2%. Mantenho esse prognóstico após a divulgação dos dados de 2024. Sua composição também será distinta, com provável aumento do peso do agronegócio, dada a reduzida base de comparação e considerando-se as perspectivas para a produção neste setor.
Se o governo conseguir segurar as rédeas das contas públicas, poderá passar pelo período de vacas mais magras com relativo sucesso. Sim, porque o Banco Central tenderia a iniciar a redução dos juros mais cedo e, dessa maneira, proporcionaria desempenho mais animador para meados de 2026.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.