Felipe Salto

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Opinião

Orçamento, reforma do IR e responsabilidade fiscal

O governo enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei para alterar as regras do Imposto de Renda. São duas as propostas principais:

a) estabelecer uma alíquota efetiva mínima e

b) recolher imposto sobre a renda de lucros e dividendos. A referência mínima é 10%, no caso dos contribuintes mais ricos do país.

Para quem ganha de R$ 600 mil a R$ 1,2 milhão por ano, a alíquota efetiva mínima será escalonada, de 0% a 10%. Os dividendos recebidos serão tributados a 10%. A retenção na fonte a maior, se ocorrer, será corrigida, via restituição, quando da realização da declaração anual pelo contribuinte.

As nossas estimativas realizadas inicialmente aos clientes da Warren Investimentos indicam que o governo poderá arrecadar volume relevante de receitas já em 2026. Seriam R$ 30 bilhões iniciais derivados da arrecadação de 10% sobre lucros e dividendos, a partir dos quais calculamos uma restituição de R$ 8 bilhões, resultando em arrecadação líquida de R$ 22 bilhões. A esse montante, soma-se a previsão da tributação das remessas de lucros e dividendos ao exterior, no total de R$ 8 bilhões. Isto é, uma receita total de cerca de R$ 30 bilhões.

Esses recursos servirão à cobertura do custo da mudança da faixa de isenção do Imposto de Renda. O governo propõe alterá-la para R$ 5.000, a partir dos atuais dois salários mínimos. A regra da nova isenção segue também um escalonamento até R$ 7.000. Estimamos um custo total, em termos de perdas arrecadatórias em relação a um cenário sem a medida, da ordem de R$ 34 bilhões. Faltariam, assim, cerca de R$ 4 bilhões para fechar a conta (30 - 34 = -4).

Cabe lembrar que a compensação é obrigatória, em razão do disposto no artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF - Lei Complementar nº 101/2000). A norma determina que medidas com impacto fiscal, no âmbito das receitas, sejam compensadas por meio de majoração do próprio imposto ou criação de novo tributo.

Esse ponto é fundamental, porque é bastante provável que o Congresso, sob pressão dos setores afetados, venha a cogitar "cortes de gastos" no lugar da nova tributação proposta. Essa não é uma alternativa, justamente pela previsão da LRF. Aliás, se o Congresso está disposto a cortar gastos, poderia começar pelas emendas parlamentares, independentemente da discussão do IR.

Outra ideia que se cogita é apensar ao projeto de lei da mudança no IR uma proposta de redução dos chamados gastos tributários. Como se sabe, o volume de gastos tributários ou renúncias fiscais é bastante alto.

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Se o Congresso quiser discutir mudanças nessa matéria, a partir do comando constitucional introduzido, aliás, pela Emenda Constitucional nº 109, ainda na época do ex-ministro Paulo Guedes, seria ótimo.

O que não se deve permitir é a retirada das propostas de compensação enviadas pelo Executivo por iniciativas em troca de fumaça. Foi o que se viu no episódio recente da desoneração da folha de pagamentos, quando o Senado apresentou a repatriação de recursos e certas quimeras a título de compensar as perdas proporcionadas pela benesse tributária.

Outro risco na tramitação do assunto na Câmara e no Senado diz respeito à pressão dos estados e municípios. Eles entendem que perderão receitas, já que o Imposto de Renda é dividido com eles por meio dos Fundos de Participação. Ora, mas a majoração sobre os mais de 140 mil contribuintes ricos vai ser também partilhada com os governos regionais.

Não há que se discutir transferências adicionais, portanto. Essa questão precisa ser neutralizada no nascedouro, sob pena de se inventar uma despesa obrigatória nova, pondo a perder a neutralidade do projeto de lei original, premissa adotada pelo ministro Fernando Haddad desde que o tema veio à tona.

É preciso ainda apontar os problemas de redação e de complexidade introduzidos na legislação do Imposto de Renda. Normas confusas ou mal redigidas podem levar ao aumento do contencioso ou, no mínimo, emperrar os objetivos pretendidos, sobretudo no que se refere às medidas compensatórias.

O governo conseguiu superar a má impressão e as turbulências ocasionadas pela repentina introdução da mudança da faixa de isenção, no fim do ano passado, no seu rol de prioridades. O anúncio parece ter sido bem recebido pelos mercados e pela opinião pública. A medida tem potencial de alavancar as avaliações positivas a respeito da gestão do presidente Lula. A ver.

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De resto, a semana passada pautou-se também pela tardia aprovação do Orçamento de 2025. Nessa frente, muitas dúvidas e poucas indicações práticas de quanto o governo estaria disposto a conter no conjunto de gastos sujeitos a tesouradas, os chamados discricionários.

Seria importante apresentar logo o relatório de avaliação de receitas e despesas primárias, como mandam a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias. A julgar pelo posicionamento do governo na sexta-feira, isso não será feito. Optou-se por uma programação provisória, que limita a execução financeira do Orçamento até segunda ordem.

Em que pese essa ação permitir o controle das despesas, temporariamente, cabe ao governo ir além para mostrar, de fato, qual será o corte (ou contingenciamento) para lidar com a evidente superestimativa de receitas contida no Orçamento.

A garantia de um padrão mínimo de responsabilidade fiscal é condição inescapável para o país progredir. Não há medida para reduzir impostos dos mais pobres e elevar sobre os mais ricos que compense os custos sociais da instabilidade, da inflação alta, do baixo crescimento e dos juros na lua.

O desafio continua a ser a reorganização das contas públicas e a sinalização concreta de que, no médio prazo, as regras atuais e o planejamento do governo serão suficientes para reequilibrar a dívida pública como proporção do PIB.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.