Felipe Salto

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Opinião

O Brasil após o 'tarifaço' de Trump

As tarifas impostas pelo presidente Donald Trump afetarão drasticamente a economia mundial, a começar pelos Estados Unidos. No Brasil, recomenda-se às lideranças apostar na burocracia técnica qualificada do Itamaraty. Do ponto de vista das políticas econômicas domésticas, deixar o bolo das finanças públicas desandar seria mortal.

A ideia de que é preciso fabricar superávits comerciais com todos os países, protegendo os produtores locais, remonta a uma espécie de pensamento mercantilista, muito distante da lógica econômica moderna das cadeias globais de valor. A especialização com base em vantagens comparativas e a defesa do interesse nacional acompanhadas pela eficiência proporcionaram evidentes ganhos de bem-estar social.

Aliás, os Estados Unidos detêm a chamada moeda de reserva internacional e, por isso, podem sustentar situações de déficit elevado nas transações correntes e um quadro de dívida pública alta. Sempre souberam tirar proveito dessa situação. A lógica de Trump é esquisita, inclusive, a partir desse prisma.

Não é que as políticas protecionistas daquele país não sejam uma constante. Subsídios orçamentários, por lá, sempre houve. Para ter claro: aos montes. A questão é que a profunda mudança na política tarifária joga para o alto o equilíbrio construído até aqui e, de certo modo, põe em xeque os avanços da OMC (Organização Mundial do Comércio).

As turbulências vão se materializar feito o movimento dos dominós enfileirados e derrubados, um a um, após a estocada inicial. O problema é prever o caminho das quedas de cada uma dessas peças.

A imposição de tarifas elevadas à importação turbinará os preços internos nos Estados Unidos. Há, sim, um grau de incerteza alto, mas essa é a tendência. Ao desestimular a entrada de produtos de fora, reduz-se a oferta, pressionando os preços. Parte da demanda será coberta por produção local (mais cara); outra fatia, não.

A desorganização do comércio internacional será grande. A China, notadamente, já reagiu com uma tarifa adicional à entrada de produtos americanos. A alocação do capital produtivo e financeiro, nessa nova ordem econômica, será distinta, menos eficiente, menos profícua. O crescimento econômico, de modo agregado, será menor.

Por outro lado, os efeitos do tarifaço de Trump para cada país poderão ser distintos. O Brasil, por exemplo, que possui um modesto déficit comercial com os Estados Unidos, foi agraciado com tarifa de 10%. Possíveis competidores nossos, em termos de produção de commodities agrícolas, contemplados com alíquotas bem superiores, podem acabar perdendo a batalha pelo mercado consumidor americano. Já a indústria exportadora brasileira sofrerá ainda mais.

O Brasil tem uma tarefa fundamental, nesse novo contexto: comandar uma política externa capaz de tirar vantagens para o setor produtivo nacional em meio ao caos. Claramente, resolver, definitivamente, o acordo Mercosul-União Europeia tornou-se ainda mais importante. Não é à toa que o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e vice-presidente, Geraldo Alckmin, já deu indicações a esse respeito nos últimos dias.

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Para os europeus, a abertura de outras possibilidades fica mais atraente e o Brasil ganha espaço de negociação. A linha adotada, até aqui, aliás, pelo governo brasileiro, me parece correta. No lugar de, simplesmente, impor barreiras e tarifas, em represália à decisão de Trump, soa mais promissor o caminho das negociações e das medidas cirúrgicas.

Um dos mercados mais importantes, vale dizer, o do açúcar e do álcool, é um exemplo de como podemos avançar bastante. As cotas para exportação de açúcar aos EUA são muito reduzidas, e a tributação do excedente é elevada. O etanol, por sua vez, entra nos EUA, agora ainda mais, sob relevante fardo tarifário.

O posicionamento da economia brasileira deve levar em conta as relações históricas com os EUA, valer-se do bom trabalho da diplomacia do nosso país e ampliar possibilidades. O multilateralismo, relativamente, tornou-se central após o dia 2 de abril.

A Europa e a China devem ser os nossos focos comerciais, sem descuidar das negociações com os EUA, por óbvio. No curto prazo, temos uma vantagem: ganhamos com o enfraquecimento do dólar, em razão dos juros reais elevados por aqui. O Federal Reserve (banco central americano) deve, como sinalizou seu presidente, Jerome Powell, acompanhar os desdobramentos da nova política econômica anunciada. Ele já adiantou que a inflação será pressionada e o crescimento será menor.

De todo modo, um quadro de incertezas globais crescentes, dificuldade de antever os movimentos de todos os países relevantes e riscos domésticos ainda causando boas dores de cabeça, no campo da política fiscal, nos colocam em posição difícil, em maior prazo.

Em que pese a tendência de queda do dólar, até porque o balanço de pagamentos brasileiro continua bem, com investimentos externos suficientes para cobrir o déficit em transações correntes, a volatilidade será maior. As altas e baixas são próprias dos períodos de mudanças bruscas na economia mundial. Não será, desta vez, diferente.

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Do nosso lado, deve-se prezar pelo fortalecimento da política fiscal e respeitar, cada vez mais, a atuação autônoma do Banco Central, que tem de ter a liberdade para atuar de maneira tempestiva junto aos mercados, dando segurança aos investidores locais e externos e preservando o real.

Após o tarifaço de Trump, pode-se concluir que o Brasil continuará com os mesmos conhecidos problemas. A diferença é que estaremos mais expostos e, portanto, suscetíveis aos movimentos externos. Prudência é a palavra de ordem.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.