Felipe Salto

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Opinião

A tesoura cega do Governo Lula

A literatura especializada está recheada de publicações e referências importantes a respeito dos processos de revisão de gastos públicos. Os Orçamentos Públicos servem para viabilizar o financiamento das políticas públicas determinadas pelas leis e pela Constituição.

Contudo, não basta a boa intenção e a previsão orçamentária. É preciso ter um planejamento adequado e buscar constantemente a eficiência na alocação dos recursos públicos.

Não raro, no caso brasileiro, os gastos previstos para programas e políticas públicas acabam eternizados nas peças orçamentárias, sem que se realize uma avaliação periódica adequada.

Avaliar e monitorar para quê?

Para economizar recursos escassos e transferi-los a políticas com maior potencial de atendimento àqueles que mais dependem do Estado, de um lado, e para obter as condições de sustentabilidade das contas públicas, de outro.

A Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal (que completará 25 anos no início de maio) e a Lei do Novo Arcabouço Fiscal preveem instrumentos jurídico-legais suficientes para esse processo de revisão periódica de despesas públicas. Mesmo assim, os avanços ainda são tímidos e pouco relevantes. A transparência na prestação de contas a respeito dos efeitos alcançados é baixa.

O próprio governo federal, que enviou ao Congresso, há cerca de 15 dias, o seu Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026, reconhece o iminente colapso da máquina pública, caso as despesas obrigatórias não sejam contidas.

A rigidez orçamentária é elevada e, recentemente, aumentou, na esteira do crescimento das emendas parlamentares impositivas e das tradicionais despesas mandatórias. O Orçamento está no piloto automático.

Em pouco tempo, argumenta o governo no Anexo de Metas Fiscais do PLDO, não haverá mais recursos para o custeio da máquina. Não há regra fiscal que dê conta disso. A regra é auxiliar e só funciona quando há compromisso político em torno do objetivo maior: conter o crescimento da dívida pública e apresentar contas públicas permanentemente organizadas e equilibradas.

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Eis um trecho do documento do Poder Executivo:

A partir desses números é possível destacar a compressão das despesas discricionárias em patamar relevante, apontando necessidade de adoção de medidas e ações de incremento de receita líquida, bem como revisão de gastos com despesas obrigatórias e alocações rígidas, viabilizando assim uma trajetória de médio prazo que atenda prioridades de manutenção de políticas discricionárias relevantes para a sociedade e Estado, e, ao mesmo tempo, garanta condições para o atingimento das metas fiscais planejadas para o horizonte de médio prazo.
PLDO 2026 - Anexo de Metas Fiscais

A Constituição de 1988 foi alterada, em 2021, por meio da Emenda Constitucional nº 109, para determinar a obrigatoriedade da avaliação das políticas públicas. Está no artigo 37, parágrafo 16, transcrito a seguir:

Art. 37, § 16. Os órgãos e entidades da administração pública, individual ou conjuntamente, devem realizar avaliação das políticas públicas, inclusive com divulgação do objeto a ser avaliado e dos resultados alcançados, na forma da lei.

No artigo 165, parágrafo 16, por sua vez, determina-se que as avaliações não devem servir apenas como adereço ou matéria informativa para o processo orçamentário típico. Elas devem ser incorporadas às três leis que versam sobre o Orçamento: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a Lei Orçamentária Anual (LOA) e o Plano Plurianual (PPA). Eis o texto constitucional:

Art. 165, § 16. As leis de que trata este artigo devem observar, no que couber, os resultados do monitoramento e da avaliação das políticas públicas previstos no § 16 do art. 37 desta Constituição.

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Pois bem, o governo tem apresentado, em anexo ao PLDO, suas propostas de revisão de gastos. Antes das críticas, faço o elogio à iniciativa e à persistência dos técnicos da Secretaria de Orçamento Federal (SOF), sobretudo, que se esforçam para buscar a aplicação dos referidos dispositivos constitucionais.

Para 2025, o governo anunciara proposta de revisão de duas políticas públicas: o chamado Proagro, programa de subsídios ao setor agrícola; e os Benefícios da Previdência Social. Para 2026, conforme anexo do PLDO, soma-se a essas duas revisões o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

A Lei do Novo Arcabouço Fiscal (Lei Complementar nº 200, de 2023), da lavra do atual governo, determinou, com base nos referidos dispositivos citados acima, introduzidos pela Emenda 109, que os impactos fiscais fossem publicados no âmbito da LDO.

Na verdade, a nova lei complementar alterou a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 2000), para introduzir este comando:

(Art. 11 da Lei Complementar nº 200/2023, que altera o Art. 4º, § 5º, Inciso VI da Lei Complementar nº 101/2000): A estimativa do impacto fiscal, quando couber, das recomendações resultantes da avaliação das políticas públicas previstas no § 16 do art. 37 da Constituição Federal.

No anexo do PLDO para o ano que vem, de fato, apresentam-se as medidas tomadas para o Proagro, por meio de resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN), que basicamente restringem os critérios de acesso e apertam o cinto no sentido de reduzir os gastos com o programa. Prevê-se economia de R$ 3,8 bilhões, em 2025, como resultado das ações.

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A saber, o Proagro apresentou gastos de R$ 1,9 bilhão e R$ 1,7 bilhão, respectivamente, em 2020 e 2021. Em 2022, a despesa saltou para R$ 5,0 bilhões e, em 2023, para R$ 9,4 bilhões. No ano passado, caiu novamente a R$ 5,4 bilhões, mas ainda bem acima do padrão de 2020 e 2021. No pré-pandemia, entre 2017 e 2019, os orçamentos executados dos três anos corresponderam a R$ 1,1 bilhão, para fins de comparação.

No caso da Previdência Social, as medidas propostas devem gerar, nas contas do governo, economia de R$ 2,5 bilhões em 2025. O efeito fiscal esperado, vale dizer, decorre de ações de gestão, medidas relacionadas a sistemas (AtestMed, por exemplo) e cobranças de benefícios indevidos.

Em 2023, os gastos com benefícios previdenciários totalizaram R$ 898,9 bilhões, passando a R$ 938,3 bilhões em 2024 (bem acima do previsto na LOA). Para 2025, o governo prevê gastar R$ 1,08 trilhão. Nada parece ter mudado, aqui, é a causa central é a indexação da Previdência ao piso salarial. Mistura-se política de mercado de trabalho com política de previdência. O tema já foi discutido por mim neste espaço.

Finalmente, para o BPC - a novidade do PLDO 2026 em relação à peça para 2025 -, o governo pretende economizar R$ 2,7 bilhões, em 2025. O caminho para isso é a chamada revisão bienal de cadastros de pessoas idosas e de pessoas com deficiência, grupos quem compõem o público-alvo do programa em tela.

Neste caso, o BPC tem evoluído da seguinte maneira: R$ 92,7 bilhões, R$ 111,1 bilhões e R$ 133,4 bilhões, respectivamente, em 2023, 2024 e (previsão do governo para) 2025.

As economias totais, em 2025, com as três iniciativas de revisão de gastos, nas contas do governo, totalizam R$ 9 bilhões (3,8 + 2,5 + 2,7).

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O avanço dessas despesas e sua proporção no Orçamento mostram que tal economia, se confirmada, não fará nem cócegas nas contas públicas.

O déficit segue firme e há dificuldades de se conceber um programa completo de revisões que, de fato, tenha o condão de conter o crescimento do gasto obrigatório. A intenção do programa de revisões é boa, mas o resultado será bastante frustrante.

A questão que se coloca, portanto, é: a revisão de gastos proposta tem como objetivo retomar qual padrão orçamentário? As economias previstas são calculadas em relação a um cenário de referência sem as medidas tomadas, obviamente. Mas, onde estão as memórias de cálculo e os dados abertos para que se possa fazer o escrutínio do programa de revisão de gastos?

Além disso, como o governo pretende recuperar o equilíbrio fiscal, promovendo superávits primários suficientes para readequar a relação dívida/PIB?

Perguntas sem respostas, apesar das boas intenções e dos rios de tinta já contidas em termos de legislações fiscais e orçamentárias. A tesoura do governo parece estar cega. Será amolada em tempo hábil?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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