Milagre: o Congresso quer cortar gastos

A Câmara dos Deputados votou, na semana passada, a urgência para o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que pretende sustar as altas do IOF. Contudo, daí a derrubar, de fato, o decreto presidencial, há um abismo. Melhor dizendo, há a politicagem barata em torno das emendas parlamentares.
O presidente da Casa argumentou, em rede social: "o país não aguenta mais aumento de imposto". E emendou: "é hora de somar coragem para ajustar as contas e fazer o Brasil crescer de forma sustentável".
346 votos. Um recado claro da sociedade -- a Câmara foi apenas o veículo que ecoou essa demanda: o país não aguenta mais aumento de imposto.
-- Hugo Motta (@HugoMottaPB) June 17, 2025
Toda essa discussão sobre as contas não é sobre quem mora na cobertura ou no andar de baixo. É sobre todos nós que moramos no mesmo?
De fato, "o que a vida quer da gente é coragem", como escreveu Guimarães Rosa. E uma manifestação assim tão importante pelo corte de gastos não pode passar em branco. Vou me atrever a ajudar o presidente da Câmara no seu ato de coragem.
Que tal um corte de 50% nas emendas parlamentares? Em seguida, as emendas seriam corrigidas pela evolução das despesas discricionárias (não obrigatórias) totais, de modo a desafogar a União e a evitar o colapso da máquina pública.
Neste momento, o chamado "shutdown" já está contratado para, no máximo, dois anos. O risco é elevado para 2026, como mostram as contas oficiais enviadas em abril, ao Congresso, no bojo do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO).
Contudo, a verdade é que o Congresso deseja o simétrico oposto do sinalizado no discurso. Quer, mesmo, é acelerar a execução das emendas parlamentares e garantir dinheiro infinito para os próximos anos. Só essa hipótese explica o vaivém, o descumprimento de acordos feitos publicamente com a Fazenda e toda essa confusão à qual conduziram o país.
Aos números. As emendas autorizadas até junho estão em R$ 14,5 bilhões. Desse valor, já foram pagos R$ 6,3 bilhões (até meados de junho). O volume total previsto no Orçamento é de R$ 50,4 bilhões, com R$ 42,8 bilhões liberados para o ano inteiro de 2025 após a edição do último decreto de programação orçamentária e financeira. Provavelmente, a sanha para aprovar a urgência do tal PDL tem, sim, a ver com gastos, mas não da forma como a propalada "coragem" poderia fazer crer.
Para 2025, é provável que o piso da meta fiscal seja entregue. Talvez seja necessário um contingenciamento adicional ao congelamento total de R$ 31,3 bilhões já promovido pelo governo. Já em 2026, as coisas serão muito mais difíceis. O déficit primário (receitas menos despesas sem contar juros) previsto para o ano que vem supera os R$ 100 bilhões, pelas nossas contas na Warren.
Se os parlamentares entrassem com R$ 26 bilhões, partindo-se dos mais de R$ 52 bilhões indicados no PLDO para 2026, o déficit projetado já melhoraria para R$ 74 bilhões. O governo poderia entrar com outros R$ 26 bilhões e, desse modo, colaborar exatamente com o mesmo valor do Congresso (materializando a "soma de coragem"; sabe-se lá o que isso quer dizer). Assim, a projeção passaria a R$ 48 bilhões negativos. Esse patamar seria condizente com o cumprimento da meta fiscal, usando-se a banda inferior e subtraindo-se aqueles precatórios superiores ao limite declarado inconstitucional em 2023.
A parte do Executivo, não custa lembrar, dependeria também do Congresso. A contenção de gastos obrigatórios, além dos já prometidos cortes em benefícios tributários, dependeria de mudanças legais e/ou constitucionais. É o caso das vinculações à receita e das despesas indexadas. Também se inclui o déficit cavalar da previdência dos militares e a lista de ações que tenho trazido nos últimos artigos para o UOL.
Se um milagre aconteceu nas lideranças do Legislativo, agora supostamente militantes do ajuste fiscal, cabe ao Executivo pedir truco, como no jogo de cartas, e aproveitar a oportunidade para sair das cordas. Essa turma não vai dar moleza e o desejo por emendas só pode ter um freio efetivo: o STF.
Afinal, a série de emendas constitucionais editadas desde 2015 para carimbar valores, impor execução, ampliar espaço e reduzir controle desse tipo de gasto é um prato cheio à discussão de inconstitucionalidade.
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