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Graciliano Rocha

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Por que a Faria Lima acha que não vai ter golpe

Do UOL, em São Paulo

15/08/2022 11h26

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Há uma leitura disseminada entre os maiores gestores da Faria Lima de que a chance de um golpe de Estado no país minguou, mas seguem vivas as ameaças de contestação do resultado eleitoral em caso de vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre Jair Bolsonaro (PL) por margem apertada e, com ela, confusão institucional.

A percepção de que uma virada de mesa ficou mais difícil advém dos movimentos que se seguiram à reunião do presidente Jair Bolsonaro com embaixadores -como a reação de grandes parceiros comerciais, como os EUA, de confiança no sistema eleitoral e a adesão maciça da alta Faria Lima (banqueiros, acionistas de empresas do Ibovespa e sócios de grandes firmas de investimentos).

Sob a perspectiva histórica, todas as quarteladas do século 20 foram joint-ventures entre militares, empresariado e políticos sem voto, em momentos em que a conjuntura internacional favorecia/estimulava golpes de Estado.

"A estratégia habitual do presidente de 'esticar a corda', agora mais diretamente voltada para os ataques ao sistema eleitoral, como evidenciado pela fracassada reunião do presidente com os embaixadores, talvez tenha servido para organizar resistências a qualquer fator externo à voz das urnas", escreveu o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, sócio da Rio Bravo, firma de investimentos (R$ 13,2 bilhões sob gestão), em carta aos clientes da empresa divulgada no dia 3.

E arremata: "O processo vai caminhando, e a perspectiva de golpe, qualquer que seja o formato, vai ficando para trás. É preciso pensar no futuro, na nova composição política, no seu Orçamento e em seu programa econômico."

Pesos-pesados do PIB e da indústria financeira aderiram publicamente ao manifesto lido no Largo São Francisco, na semana passada. É o caso de Armínio Fraga, da Gávea Investimentos (firma com R$ 18,5 bilhões sob gestão) e ex-presidente do BC, do empresário Horácio Lafer Piva (Klabin), além de sobrenomes tradicionais da banca nacional como as famílias Setubal, Moreira Salles e Bracher (Itaú Unibanco).

O baixo clero da Faria Lima -gestores menores e operadores que fazem barulho no Twitter, mas não fazem preço-, no entanto, mantém um discurso bullish (otimista) sobre as chances de Bolsonaro bater Lula. As últimas pesquisas de opinião, que mostram o estreitamento da distância entre os dois candidatos, anima este grupo.

Cenário "Banana Republic"

Mas isso quer dizer que será uma eleição tranquila? Não necessariamente.

Luis Stuhlberger, sócio da Verde Asset (R$ 37 bilhões sob gestão), enxerga o que ele chama de "risco Banana Republic", não necessariamente um golpe de Estado, mas um cenário de turbulências políticas no pós-eleição.

"O [principal é o] risco de o Lula ganhar por uma pequena diferença de margem do Bolsonaro. Não sei nem como chamar isso. Poderia até imaginar um nome hipotético, de risco 'Banana Republic', de o Brasil ter esse tipo de crise nas primeiras duas, três semanas depois do outcome [resultado] eleitoral. Não acho que os mercados precifiquem esse tipo de risco", disse Stuhlberger num painel durante o Expert XP, no início do mês.

Noves fora o risco descrito evocar mais a cena da invasão do Capitólio, em Washington, do que um golpe de Estado em algum pequeno país centro-americano, Stuhlberger explicou como isso pode deteriorar algumas classes de ativos do país.

"Não tenho coragem de ficar aplicado em pré e vendido em câmbio por conta do medo dessa pequena margem de diferença, que a gente vê muito explosiva, quase que diariamente no noticiário", desenhou Stuhlberger no evento.

Ou seja, para quem faz preço (isto é, gere o destino de bilhões de reais), um quadro de tumulto institucional pode se refletir em desvalorização abrupta da moeda e deterioração de ativos pré-fixados ou de empresas listadas na Bolsa.

Embora ninguém consiga precificar direito o custo da confusão, o que aconteceu nos dias seguintes ao 7 de Setembro do ano passado pode ser lido como aperitivo. Na véspera daquele feriado, o Ibovespa havia fechado em 117.860 pontos.

No pregão seguinte às promessas do presidente Bolsonaro de não mais cumprir decisões do Supremo Tribunal Federal, o índice lambeu a mínima de 112.400 pontos. A destruição de bilhões de reais em valor foi debelada pela operação de Michel Temer para baixar a fervura. Foi como uma rajada de anfetamina no final do pregão de 9 de setembro.

O desapego

Num mercado como o brasileiro, onde o fluxo de investimentos estrangeiros faz a diferença na direção do Ibovespa, a percepção de fora importa muito. Trincos na imagem do país surgiram e se aprofundaram ainda no ano passado. Dois deles têm relação com a eleição deste ano.

O sócio de uma grande gestora disse ao colunista, reservadamente, que se deu conta do tamanho do estrago quando, numa reunião com investidores de fora com quem tem relação, compararam a situação do Brasil ao descrito no livro "Why Nations Fail" ("Por que as nações fracassam"). A conversa ocorreu na ressaca do 7 de Setembro do ano passado.

A ideia central do livro dos economistas Daron Acemoglu e James Robinson é que instituições democráticas fortes moldam instituições econômicas sólidas, produzindo diferenças colossais de receita e padrão de vida, separando países ricos e democráticos dos autoritários, que tendem à pobreza e estagnação econômica.

O segundo trinco foi o fim do arcabouço fiscal recente depois da PEC dos Precatórios. Foi depois dela que o desapego da alta Faria Lima em relação a Bolsonaro ganhou concretude com a disparada da curva de juros futuros, deixando a Selic bem para trás. Os contratos de juros futuros (ou DI) são uma métrica que afere as expectativas dos rendimentos médios de títulos públicos prefixados sem cupom (ou seja, sem pagamentos semestrais).

No mundo real, quanto mais otimista o mercado, mais fechada é a curva; quanto mais pessimista, mais aberta -e alta é a perspectiva de juro no futuro.

Esses fatores ajudam a explicar por que a adesão do grande capital a Bolsonaro é muito menor hoje do que em 2018. Nas conversas nesse rarefeito universo de 0,1% da população, é comum ouvir que Paulo Guedes, o fiador de Bolsonaro na eleição passada, tem boas ideias, mas entrega pouco.