Graciliano Rocha

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Reportagem

Como o Banco ABC notou, antes de todo mundo, cheiro de calote na Agrogalaxy

Uma semana antes de a Agrogalaxy surpreender o mercado e ajuizar um pedido de recuperação judicial na Justiça de Goiânia, um pequeno grupo de gestores de risco do Banco ABC, uma instituição bancária praticamente desconhecida do grande público, notou que a maior varejista de insumos agrícolas do país estava fazendo fumaça, a um passo da insolvência.

O ABC é um banco de atacado, isto é, tem sua atuação voltada ao atendimento de grandes e médias empresas na área de crédito e assessoria em operações no mercado financeiro.

Quando a situação da Agrogalaxy explodiu em 18 de setembro, o prejuízo bilionário foi empurrado para cima de fornecedores, dos credores e produtores rurais que faziam negócio com a empresa - agora incluídos nos chamados "créditos concursais", a lista de quem tem algo a receber na montanha de R$ 4,6 bilhões de dívida que a empresa vai tentar renegociar nos próximos meses.

O alarme de que algo errado poderia estar acontecendo com a Agrogalaxy disparou no comitê de crédito do banco ABC ainda na primeira semana de setembro, depois que executivos da empresa vinham tentando renegociar termos de vencimentos de dívidas desde o mês anterior. Todo banco tem um órgão colegiado, formado por profissionais especializados de diferentes áreas, que tem como principal função analisar os riscos na área de crédito. São esses comitês que acompanham a saúde financeira dos maiores devedores.

Diante do risco, o ABC se antecipou. Nos dias 10 e 11 de setembro, uma semana antes da bomba estourar, o banco realizou o vencimento antecipado dos empréstimos da empresa. Na prática, bloqueou todo o dinheiro que a varejista tinha nas contas.

Naquele momento, a Agrogalaxy tinha R$ 36 milhões depositados no ABC. Ao bloquear essa quantia, o banco assegurou o recebimento de, pelo menos, uma parte da dívida.

Isso só foi possível porque os contratos de empréstimo da Agrogalaxy com o ABC tinham "covenants", cláusulas contratuais que estabelecem restrições e obrigações, definindo que, caso houvesse alguma anormalidade na saúde financeira da empresa ou desrespeito ao contrato, toda a dívida da varejista com o banco que tivesse vencimento futuro seria antecipada para o presente - e o dinheiro que estivesse no banco seria raspado para pagá-la.

Foi o primeiro credor importante a tomar uma atitude desse tipo e isso só veio à tona porque a própria Agrogalaxy, por meio de uma notificação extrajudicial datada de 17 de setembro, véspera do pedido de recuperação judicial, acusou o banco de inviabilizá-la financeiramente.

"Mais que arbitrários, esses abatimentos foram realizados em evidente violação ao princípio da boa-fé objetiva: enquanto o Banco ABC induzia o Grupo AgroGalaxy a acreditar que as partes seguiam em bons termos na negociação, de modo que atingiriam a reestruturação do seu endividamento, no dia seguinte essa instituição financeira se apropriou de mais de R$ 36 milhões do caixa do Grupo Agrogalaxy", escreveu a varejista, no documento ao qual o UOL teve acesso, que está anexado aos autos do processo de recuperação judicial.

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Procurado pelo UOL, o banco disse que não comenta "casos específicos".

Não foi a liquidação antecipada de R$ 36 milhões pelo ABC que afundou a empresa (que acumulou prejuízos de R$ 612 milhões no primeiro semestre), mas ela pode ter precipitado o pedido de recuperação judicial.

No dia 18, junto com o pedido de recuperação judicial, os advogados da Agrogalaxy apresentaram um pleito de tutela antecipada na Justiça pedindo a proibição do bloqueio e a antecipação de dívidas pelos credores. A medida foi deferida em caráter liminar no mesmo dia, impedindo que os demais bancos também tomassem o caminho do ABC.

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