Graciliano Rocha

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Reportagem

Lula é um alvo de baixo custo para ataques de Trump, diz brasilianista

A volta de Donald Trump à Casa Branca deve marcar um período de forte interesse dos Estados Unidos em relação à América Latina, como não se via desde a presidência de Bill Clinton (1993-2000) e sua agenda de livre-comércio. Mas agora a abordagem de Trump para o continente priorizará interesses americanos de forma pragmática - como o endurecimento das políticas anti-imigração, uma de suas bandeiras de sua campanha.

Editor-chefe da prestigiosa revista Americas Quarterly, o brasilianista Brian Winter acredita que, enquanto países alinhados ideologicamente, como a Argentina sob Javier Milei, podem ser beneficiados com acesso a cadeias de suprimentos e financiamentos, o Brasil, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, pode enfrentar retaliações, incluindo sanções ou tarifas. Para ele, é questão de tempo para que Trump volte o seu canhão retórico contra o brasileiro.

"Há uma contagem regressiva para o primeiro tuíte de Trump criticando Lula e ameaçando sanções, a menos que Jair Bolsonaro seja autorizado a ser candidato em 2026. Porque isso faz parte do acordo com ele: quando você apoia Trump, como os Bolsonaros fizeram, você recebe esse tipo de apoio de volta", disse Winter, de seu escritório em Nova York, em entrevista concedida ao UOL, por telefone.

Segundo o analista, Lula é um alvo de baixo custo para retórica agressiva de Trump, dada a relação econômica limitada entre os dois países (pela visão de Washington). Figuras influentes no entorno de Trump, como Elon Musk e republicanos da Flórida, têm alimentado narrativas negativas sobre o Brasil, acusando o país de reprimir a liberdade de expressão.

A seguir os principais trechos da entrevista.

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UOL: Recentemente o senhor escreveu que a pergunta mais frequente de líderes empresariais e políticos na América Latina desde o resultado da eleição de novembro tem sido: "Quão preocupados nós devemos estar?" Na sua visão, o que a nova administração Trump fará de diferente em relação à América Latina desta vez?

Brian Winter: Acho que este será o presidente dos EUA mais focado na América Latina nos últimos 30 anos. Acho que você tem que voltar até a administração de Bill Clinton—à era do acordo de livre comércio com o México, a primeira Cúpula das Américas e os primórdios da Alca (Área de Livre Comércio das Américas, proposta no governo Clinton e que não se concretizou) —para encontrar uma Casa Branca que pense tanto na região. E isso será uma boa notícia para alguns e uma má notícia para outros.

É uma boa notícia para governos que Trump considera ideologicamente alinhados e que ajudam a servir aos interesses americanos, especialmente no controle de migrantes e drogas. Estes serão recompensados com prestígio político, talvez alguns empréstimos e financiamentos—no caso da Argentina—e alguma possibilidade de participar das cadeias de suprimentos dos EUA. Mas para os outros é diferente: isso inclui não só governos de esquerda, mas também líderes que, no papel, são bastante conservadores. Veja o caso recente do Panamá, onde Trump apareceu e ameaçou tentar retomar o Canal do Panamá. O presidente do Panamá é um dos mais conservadores da região e fortemente alinhado com Trump em questões como migração. Então, acho que haverá imprevisibilidade e um foco muito estreito nos interesses dos EUA.

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Por que a América Latina tem essa importância para Trump agora?

Brian Winter: As prioridades domésticas mais importantes de Trump—controlar a fronteira, gerenciar a migração e combater as drogas—passam pela América Latina. Para a imigração, isso significa todos os países da Colômbia ao Rio Grande. Para o tráfico de drogas e o crime organizado, é todo o hemisfério. Outra questão-chave é o desejo de Trump de trazer a manufatura de volta para os EUA e depender menos da China. Há um debate dentro da equipe de Trump sobre se a América Latina faz parte da solução. Alguns países já estão se beneficiando do nearshoring, como México, Costa Rica e República Dominicana. O potencial é alto, mas depende de Trump ver a América Latina como uma fonte de soluções em vez de problemas.

[Nearshoring é a estratégia empresarial de transferir parte das operações para um país próximo, visando reduzir custos e melhorar a eficiência logística e de comunicação.]

O brasilianista Brian Winter, editor da Americas Quarterly, afirma que Lula e o Brasil são alvos de baixo custo político e econômico para Donald Trump
O brasilianista Brian Winter, editor da Americas Quarterly, afirma que Lula e o Brasil são alvos de baixo custo político e econômico para Donald Trump Imagem: Divulgação

UOL: Em relação a países com governos conservadores, como Milei na Argentina ou Bukele em El Salvador, eles podem ganhar algo além de prestígio político? O senhor vê mais consequências econômicas ou diplomáticas tangíveis além disso para esses líderes?

Brian Winter: Bem, vivemos em um mundo onde curtidas e seguidores se traduzem em poder real. Vimos isso com Bolsonaro no Brasil. Ainda acredito que, se Hillary Clinton tivesse vencido em 2016, Jair Bolsonaro nunca teria vencido em 2018. Eu normalmente não adoto uma visão tão centrada nos EUA do mundo, mas acho que este é um caso em que isso foi verdade. Muitos líderes buscam ganhar atenção de Donald Trump porque sabem que isso os ajuda a ganhar votos e influência em casa. Há uma teoria popular de que é apenas um pequeno grupo de líderes, como Orbán na Hungria, Netanyahu em Israel ou os Bolsonaros. Talvez isso fosse verdade no passado, mas não é mais. Vimos uma longa fila de líderes se alinhando para se encontrar com Trump, incluindo [Giorgia] Meloni na Itália. Ele certamente tem seguidores agora na América Latina. Além disso, haverá benefícios concretos? Vamos pegar o caso brasileiro. Penso que, em algum momento nos próximos meses, Trump vai apontar seu canhão retórico contra Lula.

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UOL: Por quê?

Brian Winter: Acredito que há uma contagem regressiva para o primeiro tweet de Trump criticando Lula e ameaçando sanções ou tarifas, a menos que Jair Bolsonaro seja autorizado a ser candidato em 2026. Porque isso faz parte do acordo: quando você apoia Trump, como os Bolsonaros fizeram, você recebe esse tipo de apoio de volta.

UOL: Que papel você vê o Brasil desempenhando na agenda de Trump para a América Latina, especialmente considerando que o Brasil não ocupa um papel central em questões como migração e drogas na perspectiva dos EUA? Como você vê o futuro das relações entre EUA e Brasil em termos econômicos e de política externa?

Brian Winter: Vou e volto entre pensar que Trump não terá muito tempo para o Brasil ou pensar que o Brasil é o alvo perfeito de baixo custo para Trump. Isso porque Trump se vê como um guerreiro liderando uma luta global contra a esquerda. Ele pode decidir que Lula é um oponente atraente, não apenas retoricamente, mas também para punições concretas.

Se os EUA impuserem tarifas ao México, isso prejudica a economia dos EUA. Se impuserem tarifas ao Brasil, o efeito é quase nulo, porque não há tanto comércio assim em termos relativos. Então, se Trump quiser briga, Lula pode ser a contraparte perfeita. [Segundo o Departamento de Comércio dos EUA, o comércio com o Brasil alcançou US$ 120,7 bilhões em 2023, apenas 2,28% dos US$ 5,3 trilhões das importações e exportações americanas]

Trump também verá o Brasil pelo prisma do que está acontecendo na Venezuela. A Casa Branca de Trump pode reconhecer que o Brasil tem um canal de diálogo com Caracas que poderia ser interessante, mas a abordagem mais crítica de Lula a Maduro no último ano cria nuances. Não sei se Trump e seus assessores verão essa nuance ou apenas agruparão Brasil e Venezuela juntos.

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UOL: O senhor mencionou que curtidas e seguidores se traduzem em poder real nos dias de hoje. Elon Musk, que agora vai ocupar um cargo na administração Trump, recentemente acusou o Supremo Tribunal do Brasil de promover censura. Episódios como esse podem moldar as relações entre EUA e Brasil? Que papel global o senhor espera que Musk desempenhe?

Brian Winter: Esta é uma das razões pelas quais espero uma tempestade entre Lula e Trump. Várias pessoas próximas a Trump espalham uma visão negativa em relação ao Brasil, incluindo Elon Musk e [o estrategista político] Jason Miller, que foi detido no Brasil em 2021 e certamente não se esqueceu disso.

No mundo político do sul da Flórida, alguns brasileiros são influentes no círculo de Trump e estão vendendo a ideia de que o Brasil está reprimindo a liberdade de expressão política, como a Venezuela. Essa ideia é falsa, mas ressoa entre os republicanos que não distinguem entre a esquerda democrática e a autoritária na América Latina. O clima em torno do Brasil nesse mundo é profundamente negativo, e mesmo em momentos bons, o entendimento dos EUA sobre o Brasil é limitado.

UOL: Em relação aos EUA e China, os dois maiores parceiros comerciais do Brasil, como os setores econômicos da América Latina devem navegar por essas crescentes tensões? Setores como o agronegócio ou a indústria podem se beneficiar dessas tensões?

Brian Winter: A equipe de Trump não pedirá aos países da América Latina que parem de negociar com a China—eles sabem que isso é impossível, já que os EUA também negociam com a China. O foco será nos investimentos estratégicos: portos com possível uso militar duplo, redes elétricas e comunicações 5G. A administração Trump tentará usar tarifas como alavanca para limitar investimentos chineses em países como Brasil, Chile e Peru. No entanto, eles também são espertos o suficiente para saber que precisam de incentivos além de punições, como oportunidades de nearshoring e incentivos ao setor privado por meio de ferramentas como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

UOL: Em relação às ditaduras em Cuba e Venezuela, você vê alguma mudança substancial na abordagem de Washington em relação a elas?

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Brian Winter: Esta é uma questão que nem mesmo as pessoas de Trump podem responder com confiança. É possível que adotem táticas mais duras, mas sem retornar à era da "máxima pressão", que incluía boicotar o petróleo venezuelano e reconhecer um governo de oposição. No entanto, eles também podem apostar alto, acreditando que esses regimes estão no momento mais frágil. Isso é especialmente verdadeiro para Cuba, com apagões, um vácuo de liderança e um êxodo sem precedentes de pessoas. Foram 66 anos de espera por uma mudança de liderança em Cuba, mas nenhuma ditadura dura para sempre. Ter um Secretário de Estado filho de migrantes cubanos pode tornar isso uma prioridade, especialmente com a política do sul da Flórida em mente.

UOL: Mas isso parece mais a agenda de Rubio do que de Trump.

Brian Winter: Essa é uma observação muito boa. Você pode estar certo. Trump era de Nova York, agora é da Flórida. O sul da Flórida influencia fortemente esta administração. Sobre o que os republicanos da Flórida falam diariamente? Cuba. Então, a possibilidade de priorizar isso, especialmente com as fraquezas atuais do regime, é real.

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