Graciliano Rocha

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Reportagem

Bombril, ícone do consumo nacional, volta a pedir proteção contra credores

Tradicional fabricante de produtos de limpeza, a Bombril entrou com pedido de recuperação judicial, alegando dificuldades financeiras agravadas por um passivo tributário bilionário e altas taxas de juros sobre suas dívidas.

Segundo a petição inicial apresentada na noite desta segunda (10), a empresa busca evitar um colapso financeiro e diz que tem viabilidade para continuar operando. A Bombril, que afirma estar presente "em mais de 90% dos lares brasileiros", diz que pode sair da crise.

Não é a primeira vez que a Bombril recorre à recuperação judicial. Entre 2003 e 2006, a empresa já operou sob esse regime especial para renegociação de dívidas. Em 2017, ela passou por uma reestruturação que permitiu que voltasse a lucrar, mas não o suficiente para superar a situação de endividamento crônico.

Desta vez, o gatilho que levou a Bombril a recorrer à recuperação judicial é a sua dívida tributária, resultado de operações financeiras realizadas na gestão do empresário italiano Sergio Cragnotti, que comprou o controle da empresa nos anos 1990. Segundo o documento protocolado na Justiça de São Paulo, o empresário deixou de pagar os tributos de investimentos no exterior, gerando uma dívida bilionária com o fisco brasileiro.

Entre as transações questionadas pela Receita Federal, estão investimentos em títulos de dívida do governo dos Estados Unidos, os chamados T-Bills e T-Bonds, além de papéis argentinos. Essas operações resultaram em autuações fiscais que, mesmo após anos de disputas judiciais, ainda representam um passivo de R$ 2,3 bilhões. Em 2006, a empresa voltou ao controle dos herdeiros do fundador Roberto Sampaio Ferreira.

Uma recente decisão elevou o risco da empresa ao classificar a chance de perda desses processos tributários como provável. Esse fator piorou a percepção do mercado sobre a capacidade de a Bombril de se manter solvente, levando credores a pressionar por garantias e financiamentos mais onerosos.

Além disso, parte da dívida tributária já resultou na penhora de ativos importantes, incluindo as fábricas da companhia em São Bernardo do Campo (SP), Sete Lagoas (MG) e Abreu e Lima (PE).

O empresário Cragnotti, 85, é conhecido por ter estado à frente do grupo alimentício Cirio na Itália e por ter presidido a Lazio, tradicional clube de futebol romano. Em 2002, ele já chegou a ser preso por fraude na Itália. Nem ele nem qualquer representante foram localizados na noite desta segunda pela coluna.

O peso das dívidas e o custo do financiamento

A Bombril já vinha operando sob forte restrição financeira devido ao alto custo de seu endividamento. Sem acesso a crédito de longo prazo com taxas competitivas, a empresa precisou recorrer a operações de curto prazo, pagando juros elevados.

Em 2023, a taxa média de financiamento da companhia ficou em torno de 24% ao ano, um custo muito acima do que empresas saudáveis costumam obter no mercado.

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Além dos juros altos, a maior parte das dívidas da Bombril tem prazos curtos. Cerca de 77% do endividamento vence em menos de 12 meses, o que torna a necessidade de rolagem constante um fator de risco. Para agravar a situação, a classificação de risco da empresa foi impactada pelas pendências fiscais, tornando o crédito ainda mais restrito.

Com a recuperação judicial, a Bombril pretende reorganizar suas dívidas e negociar prazos mais longos para pagamento. O processo também suspende execuções e bloqueios de ativos, permitindo que a companhia continue operando enquanto reestrutura seu passivo.

Nos últimos anos, a empresa vinha apresentando sinais de recuperação, registrando lucro contábil de cerca de R$ 100 milhões em 2023. No entanto, sua geração de caixa líquida foi extremamente reduzida, fechando o ano com apenas R$ 1,8 milhão, o que mostra a dificuldade de converter resultados contábeis em recursos disponíveis para investimentos e pagamento de dívidas.

Na petição inicial, a Bombril afirma que, com a renegociação da dívida tributária e um plano de recuperação bem-sucedido, poderá retomar sua competitividade no mercado de produtos de limpeza. Entretanto, o sucesso desse processo dependerá da aprovação dos credores e da capacidade da empresa de manter suas operações de forma sustentável durante a reestruturação.

História de um ícone da indústria nacional

A Bombril foi fundada em 1948 por Roberto Sampaio Ferreira, que recebeu uma máquina de produção de lã de aço como pagamento de uma dívida. Sem compradores para o equipamento, ele decidiu colocá-lo em operação e introduziu no mercado um produto inovador, que logo se tornaria essencial para a limpeza doméstica no Brasil. Inspirado em um produto similar nos Estados Unidos, Ferreira expandiu a operação e consolidou a marca como líder do setor.

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Além da lã de aço, a Bombril diversificou seu portfólio com marcas como Limpol, Mon Bijou, Pinho Bril, Kalipto e Sapólio Radium, consolidando-se como um dos maiores nomes do mercado de limpeza no Brasil. Durante as décadas de 1980 e 1990, a marca se tornou um fenômeno publicitário, com campanhas estreladas pelo ator Carlos Moreno, cujo carisma ajudou a tornar o nome Bombril sinônimo de lã de aço.

A empresa já recorreu à recuperação judicial em 2003, mas acabou deixando o regime de proteção contra credores em 2006. Em 2013, a Bombril chegou a sumir das prateleiras dos mercados, devido à falta de dinheiro para produção e transporte.

No auge da crise, em 2015, as dívidas do grupo chegaram a quase R$ 900 milhões. Em 2017, após uma grande reestruturação, a companhia fechou o ano com lucro. A empresa chegou a registrar resultados positivos em suas vendas nos últimos anos, mas não o bastante para superar a dívida acumulada nos anos de crise.

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