Ex-embaixador critica tarifas do Brasil e diz que xingar Musk 'não ajuda'

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Ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil durante o final do primeiro mandato de Donald Trump (2020-2021), Todd Chapman usou o exemplo do etanol para vocalizar a visão que parece predominante na nova administração republicana em Washington sobre o Brasil, a segunda maior economia do continente.
"Esse é um momento de oportunidade, não de medo. Esse é um momento de pensar o que se pode fazer com os EUA, podendo começar de novo e esse vai ser, eu espero, um momento de ouro", disse Chapman nesta segunda-feira (17) ao participar, por videoconferência, de um debate promovido pela Amcham (Câmara Americana de Comércio para o Brasil), na B3, em São Paulo.
Mas em seguida fez uma ressalva: "A única ameaça são as manchetes que saem daqui. [Elas] devem ser mais positivas, e não apoiando países como o Irã, ou xingando o Elon Musk. Todas essas coisas que estão saindo e que não são boas para o Brasil"
Atualmente aposentado, Chapman era um diplomata de carreira no Departamento de Estado até ser nomeado por Trump em 2020 para o posto em Brasília. Naquele momento, a relação entre os dois países, com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, era tida como próxima.
"O Brasil usa muitas tarifas para seu interesse nacional, para proteção. Estamos vendo isso mesmo com o etanol. Eu trabalhei nesse tema quando era embaixador. O Brasil tem uma tarifa alta [para o etanol], nós temos uma tarifa baixa", afirmou.
"O Brasil exporta quatro vezes mais em valor de etanol aos Estados Unidos. Então a reciprocidade é algo que muitas pessoas acham que é justo, por que devemos continuar dando acesso quase grátis ao maior mercado do mundo sem ter essa mesma oportunidade no seu país?"
Os EUA atualmente cobram 2,5% de tarifa de importação do etanol brasileiro. O Brasil cobra 8% de tarifa dos importadores que compram o produto de outros países.
O evento promovido pela Amcham em São Paulo praticamente lotou o espaço da Arena B3, que tem capacidade para 150 pessoas sentadas. O público era composto principalmente por executivos de empresas multinacionais e bancos dos dois países.
O ex-embaixador afastou o argumento segundo o qual tarifas prometidas por Trump, se implementadas, vão beneficiar a relação de outros países com a China. Segundo ele, os chineses já usam uma política de tarifas para proteger seu próprio mercado interno de itens industrializados em outras partes do mundo.
"Agora, muitas vezes, as pessoas dizem 'ah, mas talvez vão correr para a China'. Boa sorte exportando alguma coisa que não seja matéria-prima. O Brasil só exporta matéria-prima para a China porque eles não deixam seus produtos manufaturados entrarem no seu país. Os Estados Unidos são o maior destino de produtos manufaturados e isso é o que cria empregos, muito mais que matéria-prima.", afirmou.
Chapman disse que empresas brasileiras deveriam considerar ampliar suas operações nos Estados Unidos, citando a JBS e a Gerdau, que mantêm fábricas no país.
*Cascas de banana da política*
Participante do mesmo painel de Chapman, o diretor da consultoria de risco Eurasia para as Américas, Christopher Garman, afirmou que o setor privado norte-americano tem sido "complacente" com as promessas de tarifas que tendem a encarecer o consumo do país e provocar inflação.
"As grandes incertezas que estão sendo colocadas na mesa são: o governo está iniciando o ciclo tarifário nas suas relações bilaterais, deportações com objetivo em massa de imigrantes ilegais e evidentemente um pouco de insegurança institucional sobre várias agências do governo federal"
Ele afirmou que há duas leituras possíveis do atual momento da presidência americana e das ameaças de Washington.
"Uma é o Trump do [livro] 'A arte da negociação', ele coloca a bravata, está querendo negociar, tudo vai ficar razoavelmente ok. O acordo de livre comércio com os Estados Unidos e Canadá vai ficar de pé, pode chegar um acordo com a China, em última instância é um governo jogando forte, mas o resultado final não vai ser desastroso", listou.
"Nós temos uma visão um pouco diferente, nós achamos que o uso de tarifas é um meio de política industrial e trazer empregos para a economia americana. Então quando a gente olha o ciclo tarifário que vem pra frente, achamos que existe uma certa complacência no setor privado sobre o volume", disse.
Por fim, Garman citou as cascas de banana na relação bilateral, que vão das bravatas do Brics de desdolarizar a economia mundial ao destino político de Bolsonaro, aliado de Trump. São temas que, segundo o analista, podem interferir na diplomacia.
"O lado político atrapalha. O Brics não tem de fato um projeto alternativo ao dólar, é muita espuma, mas comentários do presidente Lula, da ambição de desdolarização, reduzir o papel do dólar não ajuda", disse.
E seguiu listando: "Como não ajuda que o ex-presidente vá ser denunciado e o Supremo Tribunal Federal vai julgar o caso dele e ele pode ser condenado no final do ano.
Não ajuda o Supremo Tribunal Federal julgando casos de colocar mais oneração sobre as plataformas de rede social. Então nós temos várias cascas de banana em relação ao bilateral que podem começar a interferir num trabalho diplomático de engajamento [entre os dois países]".
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