Graciliano Rocha

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Reportagem

BNDES diz ter obtido retorno superior ao do Ibovespa com ações da JBS

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) diz que teve um ganho financeiro sobre sua participação na JBS superior à média dos retornos do mercado de ações no país, desde que começou a fazer aportes na companhia.

Segundo o banco de fomento, a Taxa Interna de Retorno (TIR) dos investimentos na JBS foi de 11,35% ao ano desde 2007, superando o desempenho do Ibovespa (Ibov), que no mesmo período teve rentabilidade média de 7,25% ao ano. Os números estão em comunicado do banco enviado após o anúncio de que a multinacional de carnes pretende ter suas ações listadas para negociação no mercado dos Estados Unidos.

O banco estatal investiu aproximadamente R$ 8,1 bilhões na gigante do setor de proteína animal e, ao longo dos anos, já recebeu R$ 4,9 bilhões em dividendos, além de ganhos estimados que totalizam R$ 22,7 bilhões com desinvestimentos e a valorização das ações.

A JBS é um dos remanescentes da política de "campeões nacionais" dos governos Lula 2 (2007-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) que permaneceram de pé após uma década. Outros grandes beneficiários de empréstimos públicos, como as empreiteiras Odebrecht e OAS, e a holding de Eike Batista, foram a pique nos anos da Lava Jato.

O BNDES Participações S.A. (BNDESPar), braço de investimentos do banco, é o maior acionista minoritário da JBS, detendo atualmente 20,8% do capital social da companhia. A J&F Investimentos, holding controladora da JBS, pertence aos irmãos Joesley e Wesley Batista.

Em meio ao processo de dupla listagem das ações da empresa nos mercados brasileiro (B3) e norte-americano (NYSE), o BNDESPar assinou um acordo com a holding controladora da JBS, para garantir um pagamento de até R$ 500 milhões ao banco caso as ações da companhia não se valorizem até o segundo semestre de 2026.

Há mais de uma década, o banco de fomento vinha se opondo à listagem da JBS no exterior - o acordo é tratado como uma reviravolta por agentes de mercado.

O acordo não altera a participação do BNDESPar na empresa, mas prevê que o banco se abstenha de votar na assembleia que decidirá sobre a dupla listagem. Assim, a decisão final caberá aos acionistas minoritários privados, já que a J&F também está impedida de votar nesse processo.

O desfecho da dupla listagem poderá impactar os rumos da companhia e a valorização dos papéis no mercado, fator que será determinante para a efetivação do pagamento garantido pelo acordo da J&F com o BNDES.

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Por que a JBS quer ser listada nos EUA

Por trás da busca pela listagem na bolsa de Nova York está a crença da JBS de que ser negociada nos Estados Unidos pode levar a companhia a uma avaliação de mercado muito superior ao atual patamar, porque suas ações não fazem parte de índices como o S&P 500.

A expectativa da companhia é que a listagem em NY pode elevar o seu valor de mercado para US$ 30 bilhões - hoje é de US$ 12 bilhões.

Segundo a Bloomberg, a JBS está avaliada em 4,3 vezes seu lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebtida) de 2024. Esse múltiplo deve subir para 4,5 vezes em 2025.

Ainda assim, isso ficaria abaixo do múltiplo de 6,2 vezes projetado para 2025 de sua subsidiária nos EUA, a Pilgrim's Pride, e do múltiplo da Tyson Foods, uma das principais concorrentes da JBS no processamento de carnes, de aproximadamente 8,5 vezes para o mesmo ano, ainda conforme a Bloomberg.

A JBS deverá apresentar seu pedido à SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) após a divulgação dos resultados financeiros da próxima semana, com o objetivo de concluir a listagem até o final do terceiro trimestre de 2025.

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O movimento foi bem recebido por agentes de mercado. Segundo o Morgan Stanley, também citado pela Bloomberg, a decisão representa um "importante sinal de compromisso" dos controladores da empresa.

Ainda assim, aponta a Bloomberg, há incertezas sobre o impacto da listagem na valorização dos papéis em um ambiente em que o mercado agrícola pode ser afetado por nova guerra comercial entre os EUA e a China, sob o governo de Donald Trump.

Fake news, campeões nacionais e Lava Jato

Os aportes do BNDES na JBS originaram uma das mais longevas fake news da internet brasileira, segundo a qual o conglomerado de proteína animal pertenceria secretamente ao "filho do Lula". Era uma mentira que sempre ressuscitava em grupos de WhatsApp durante períodos de campanha eleitoral.

Iniciados no governo Lula 2, os aportes bilionários do BNDES na JBS simbolizam a política de "campeões nacionais", intensificada sob Dilma Rousseff, que consistia no apoio do governo a grandes empresas brasileiras para que se tornassem líderes globais em seus setores, por meio de financiamentos bilionários do BNDES e benefícios fiscais.

A aposta dos governos petistas se baseava em fortalecer grandes grupos nacionais para os tornar mais competitivos internacionalmente, ajudando a consolidar multinacionais brasileiras de peso. Para isso, o BNDES concedia empréstimos e participações acionárias a taxas de juros subsidiadas, permitindo que essas empresas se expandissem rapidamente.

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Além da JBS, receberam aportes do BNDES firmas como Odebrecht e OAS, da área de construção civil, e a EBX, holding de Eike Batista, que atuava em mineração, petróleo e logística.

O programa foi alvo de críticas, pois muitas das empresas beneficiadas foram mais tarde envolvidas em escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato e depois dela. Também houve questionamentos sobre o uso de dinheiro público para favorecer um grupo de companhias, sem esclarecer os critérios de escolha.

Além disso, algumas das empresas que receberam grandes financiamentos, como a EBX, de Eike Batista, acabaram falindo ou enfrentando crises severas, resultando em perdas para o BNDES.

A política foi sepultada depois que Michel Temer (2016-2018) assumiu a Presidência com o impeachment de Dilma Rousseff. A partir daí, o banco passou a reduzir seu papel de sócio em grandes corporações.

A volta dos Batista ao conselho em 2024

Joesley Batista foi protagonista de uma das delações mais explosivas da Lava Jato, chegando a ter gravado uma conversa com o então presidente Michel Temer (2016-2018) em que admitia pagar pelo silêncio de operadores do MDB.

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Na conversa em 2017, Temer respondeu com uma frase que ficaria famosa - "Tem que manter isso aí" - ao saber dos pagamentos ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e ao operador Lúcio Funaro, à época presos.

Num dos depoimentos da delação premiada negociada com a PGR (Procuradoria-Geral da República), Joesley admitiu que fez pagamentos de R$ 500 milhões a campanhas do PT. A delação foi cancelada mais tarde e Joesley chegou a ser preso por omitir informações.

As consequências foram passageiras:

  • Temer foi denunciado pela PGR, mas a Câmara dos Deputados barrou o processo.
  • Joesley e outros executivos perderam os benefícios da delação e foram presos, mas soltos depois. Os irmãos Batista deixaram o conselho de administração das empresas.
  • A página foi virada definitivamente em abril de 2024, quando os irmãos Joesley e Wesley Batista retornaram ao conselho de administração da JBS, durante a assembleia anual de acionistas da empresa. Essa decisão deu fim ao afastamento iniciado em 2017.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.