Haddad: Faria Lima às vezes não nota risco fiscal do tamanho de 'elefante'
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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que agentes econômicos da Faria Lima silenciaram, durante o governo Temer (2016-2018), quando uma decisão do Supremo Tribunal Federal sobre desoneração de impostos teve um impacto de R$ 1 trilhão nas contas públicas.
A fala do ministro ocorreu num contexto em que ele afirmava que a indústria financeira não captava corretamente os riscos oferecidos por ações judiciais às contas públicas: "Às vezes a pessoa que está numa mesa de operação funciona muito por impulso e ela só vê as coisas que ela conhece. Às vezes, está passando um elefante e você não está enxergando porque não é da sua expertise."
Acolhida pelo STF em 2017, a chamada 'tese do século', que resultou na exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, impôs um impacto nas contas públicas que continua sendo sentido hoje. Segundo ele, apenas em 2023, último ano com os números fechados, a retirada do ICMS da base de cálculo dos tributos federais custou R$ 63 bilhões.
"Quando a tese do século foi julgada, abriu um rombo de R$ 1 trilhão. Se você pegar os indicadores, dólar e juro não mudaram. Como é possível a União tomar um tombo de R$ 1 trilhão e não mexe o ponteiro nem do dólar nem do juro?", disse Haddad no evento Rumos 2025, promovido pelo jornal 'Valor Econômico', na manhã de hoje, em São Paulo.
"Eu já perguntei para vários amigos economistas por que eles não reagiram. Ninguém me deu uma boa resposta. Tem muita coisa acontecendo que passa ao largo do debate público, mas que é fundamental em médio e longo prazo", continuou.
Segundo Haddad, o atual governo eliminou R$ 1,5 trilhão de novas despesas que poderiam surgir em derrotas no STF porque passou a agir preventivamente, explicando aos ministros as consequências dos julgamentos mais sensíveis nas contas públicas.
"Nós tiramos R$ 1,5 trilhão da conta de riscos judiciais. Você vai ali na Faria Lima, ninguém vai te dizer 'bom trabalho da área econômica' porque isso não está no radar deles", afirmou.
Haddad disse que, desde janeiro de 2023, quando o governo federal passou a ter uma posição mais proativa para tratar riscos fiscais com ministros do STF, a União não perdeu mais nenhum julgamento com potencial significativo de impacto nas contas públicas. Ele atribuiu isso ao que chamou de "consequencialismo jurídico".
"Uma coisa pouco notada é que não perdemos mais nenhuma grande causa nos tribunais superiores. Na semana passada, num julgamento de dedução de gastos de educação, que poderia abrir um rombo de R$ 115 bilhões nas contas públicas. Várias ações judiciais foram vencidas não porque o STF mudou, mudaram um ou dois ministros. O que mudou foi atuação do Executivo de mostrar as consequências para a sociedade como um todo", disse.
O que é o consequencialismo jurídico
No direito, o chamado consequencialismo jurídico é uma corrente ou abordagem interpretativa — ou seja, uma forma de interpretar e aplicar as normas, com base na análise das consequências práticas que determinada decisão pode produzir. Um exemplo: um juiz que decide um processo ponderando os efeitos econômicos ou sociais daquela decisão está adotando uma postura consequencialista.
Não se trata de uma escola de pensamento jurídico clássica no mesmo sentido que o positivismo ou o jusnaturalismo, que são escolas filosóficas do Direito com fundamentos mais amplos e históricos. Mas é uma corrente interpretativa relevante e crescente, especialmente nos tribunais superiores e no debate jurídico contemporâneo.
No Brasil, o ministro Luís Roberto Barroso é o defensor mais famoso deste método de decidir.
No campo teórico, o consequencialismo tem seu críticos em virtude dos riscos de insegurança jurídica (se o juiz decide com base em consequências futuras, poderia haver menos previsibilidade para as partes), subjetividade (como prever todas as consequências?) e até possível politização de decisões que deveriam ser técnicas.