Graciliano Rocha

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Reportagem

Processos para declarar santos custam mais de R$ 1 milhão

Nos termos do direito canônico, santidade é forma de honra mais elevada que a Igreja Católica concede a um fiel, mas não é fácil nem barato fazer um santo, sobretudo se ele for brasileiro.

As taxas cobradas pelo Vaticano, os gastos com a montagem do dossiê histórico, viagens e honorários de postuladores (advogados do candidato a santo) e peritos, tradução de milhares de páginas para o italiano (língua da burocracia católica) ultrapassam facilmente 150 mil euros (R$ 988 mil, pelo câmbio atual). Isso explica por que há mais santos na Itália do que em qualquer outro país do mundo.

Normalmente, o processo começa por iniciativa do bispo do território onde a pessoa viveu, com a reunião de documentação e testemunhos sobre a vida do candidato a santo, que passa a ser chamado de "servo de Deus".

Trata-se da chamada fase diocesana ou histórica do processo, que só pode ser aberta cinco anos após a morte. Seu objetivo é comprovar primeiramente a fama de santidade e se o candidato cumpria todos os requisitos para ser um exemplo para os fiéis.

Com base em documentos e testemunhos, os feitos do candidato a santo passa a integrar em um dossiê posteriormente remetido para a análise da Congregação para as Causas dos Santos.

Em termos comparativos, é como se a vida e obra do pecador falecido fossem revisadas e editadas para chegar a um pequeno número de leitores. Esse calhamaço leva o nome de "positio".

Na Santa Sé, teólogos e peritos podem requerer novas investigações. O fim desta fase de investigação histórica é a declaração papal de que o candidato viveu o cristianismo em um grau considerado heroico e ele recebe o título de "venerável".

A partir daí, há dois degraus ordinariamente subsequentes. A beatificação, que requer a "comprovação" de um milagre ou do martírio (comprovação ter sido morto em decorrência da fé), abre as portas para que a imagem da pessoa seja cultuada somente na região onde viveu e ocupe lugares secundários nos altares das igrejas.

A canonização é o ato no qual o líder da Igreja declara de forma definitiva que um fiel católico é santo e pode ser venerado universalmente nos altares em toda a Igreja.

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No percurso do processo, que pode durar entre alguns anos até vários séculos, geralmente são requeridas as "comprovações" de dois fatos considerados milagrosos, como curas não explicadas pela ciência. O primeiro "milagre" faz o beato, o segundo faz o santo.

Para seguir adiante, cada etapa do processo tem de passar pelo crivo de teólogos e especialistas da Congregação.

O mais famoso deles é o promotor da fé, a figura do processo encarregada de defender os interesses da Igreja e apontar falhas ou incorreções no processo. Ele paira no imaginário popular como o "advogado do Diabo", apelido considerado ofensivo no pequeno círculo burocrático da santificação.

Como qualquer monarquia absolutista que se preze, a palavra final sobre todas as etapas do processo - se vai ser beato, se vai ser santo - cabe única e exclusivamente ao papa. Em casos especiais, o papa pode decidir beatificar e canonizar sem milagre algum. É o que se chama em jargão canônico de canonização equipolente.

Para quem não pode contar com a canetada papal, a figura central do processo é o postulador, uma espécie de despachante ou advogado do candidato a santo que toca o dia a dia da causa.

Pode ser um religioso que trabalha de graça em favor de uma causa de sua ordem religiosa ou um profissional credenciado junto à congregação que cobra honorários (de quem propôs a causa).

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É o postulador quem sua a camisa para fazer a causa andar, tanto pressionando a burocracia vaticana quanto os proponentes da causa para juntar a imensa quantidade de documentos sobre a vida e os supostos milagres.

A regra não escrita dos tribunais mundanos se aplica à Congregação das Causas dos Santos. Quanto mais bem relacionado é o advogado nos nos bastidores, menores são as chances da causa atolar em algum escaninho obscuro da burocracia.

É preciso tomar cuidado com as cascas de banana. Uma pinimba entre jesuítas e a Santa Sé fez o processo de José de Anchieta (1534-1597) ficar parado 150 anos, depois que a ordem religiosa foi expulsa das colônias portuguesas e espanholas nas Américas, no século 18.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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