Caso Zambelli: por que é difícil conseguir a extradição de alguém ao Brasil

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Na teoria, a ideia de extradição parece simples: um país pede, outro entrega. Na prática, porém, o processo é uma operação delicada, onde o direito encontra a diplomacia, e onde o tempo corre — quase sempre — a favor do fugitivo.
É um procedimento que exige não apenas fundamentos jurídicos sólidos, mas também articulação política, respeito aos tratados internacionais e, em muitos casos, paciência. Mesmo quando existe vontade de cooperar com a autoridade estrangeira que está requerendo a devolução do fugitivo, o desfecho do processo é imprevisível.
Um dos casos mais famosos foi o da extradição pela Itália do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, que levou dois anos entre a inclusão dele pelo Brasil na lista de procurados da Interpol (novembro de 2013) e o embarque do mensaleiro em um avião comercial sob escolta da Polícia Federal (novembro de 2015).
Condenado a 12 anos e 7 meses no julgamento do mensalão, Pizzolato fugiu para a Espanha e depois para a Itália usando um passaporte italiano em nome de um irmão falecido.
O primeiro desafio para os brasileiros foi convencer o Ministério da Justiça da Itália a emitir um mandado de prisão preventiva para Pizzolato para fins de extradição.
Já neste pedido, ainda na esfera administrativa, foi necessário que a diplomacia brasileira convencesse os italianos a prender primeiro e deixar para depois a decisão de admissibilidade da extradição, em tribunais e, depois disso, pelo governo. Àquela altura o status de Pizzolato era de cidadão com passaporte italiano cuja extradição estava sendo requerida pelo Brasil, país que tem proibição constitucional para extraditar cidadãos nacionais.
Na garganta dos italianos ainda estava entalada a recusa de Lula em extraditar em 2010 Cesare Battisti, condenado por quatro homicídios na Itália - à época, policiais brasileiros e italianos relataram a este colunista as dificuldades para a cooperação. Vencida esta etapa e finalmente localizado e preso Pizzolato (fevereiro de 2014), começaria uma renhida disputa por um labirinto judicial na Itália.
A PGR (Procuradoria Geral da República) obteve apoio do Ministério Público da Itália para extraditar Pizzolato, mas mesmo assim adotou como estratégia a contratação de Michele Gentiloni, um dos principais escritórios de advocacia da Itália para representar o Estado brasileiro no processo. Pizzolato foi defendido por Alessandro Sivelli, um dos principais especialistas do país em matéria de extradição.
O apoio do MP é importante e pode pesar. Num caso mais recente do pedido de extradição do blogueiro Oswaldo Eustáquio Filho à Espanha, a Procuradoria do país opôs-se ao pleito do Estado brasileiro. O STF decretou a prisão preventiva por ameaça, corrupção de menores e tentativa de abolição do Estado Democrático pelos atos de 8 de janeiro.
Eustáquio venceu nos tribunais espanhóis sob o argumento que o tratado bilateral veda extradição em casos de "crimes políticos ou conexos a este".
A primeira dificuldade para cravar o destino de Carla Zambelli usando a jurisprudência de Pizzolato é o fato de ela ainda não estar na Itália (conforme a última informação conhecida) ou presa para fins de extradição.
Policiais federais com experiência em combate aos crimes transnacionais costumam dizer, com ironia, que é muito mais fácil incluir alguém na lista de difusão vermelha da Interpol do que convencer uma autoridade de outro país a despender tempo, pessoal e recursos para efetivamente cumprir a prisão de um cidadão que não cometeu crime naquele território.

O peso dos direitos humanos
O primeiro exame da extradição de Pizzolato foi realizado pelo Tribunal de Apelação de Bolonha (segunda instância, equivalente a um Tribunal de Justiça), cuja competência foi atraída pelo local da prisão de Pizzolato, a cidade italiana de Pozza di Maranello, a 40 km dali.
Além da questão de o Brasil não extraditar seus nacionais, o advogado Sivelli apresentou uma defesa atacando aspectos processuais, como o não envio da íntegra do processo do mensalão traduzido (envolvendo 37 réus e mais de 50 mil páginas de documentos, com inquirição de cerca de 600 testemunhas) e o fato do juiz que supervisionou a investigação ser o mesmo que julgou o mérito da acusação, no caso o então ministro do STF Joaquim Barbosa.
Mas um dos aspectos mais fortes da defesa foi a alegação de que as prisões do Brasil eram masmorras, ilustradas com fotos da barbárie do presídio de Pedrinhas, no Maranhão, onde um prisioneiro havia sido decapitado, e do Presídio Central de Porto Alegre, à época sem qualquer vestígio de controle do Estado sobre as galerias de detentos. Pizzolato prevaleceu por 3 a 0 no primeiro julgamento de Bolonha.
"Produzimos uma defesa extradicional aqui. Chamamos a embaixada da Itália aqui e mostramos as condições da Papuda em Brasília e de presídios em Santa Catarina, local de nascimento do Pizzolato. Produzimos um vídeo e o traduzimos para anexar ao recurso e mostrar que ele não corria risco de vida ao voltar ao Brasil para o cumprimento da pena", relembra Vladimir Aras, à época secretário de cooperação internacional da PGR e um dos arquitetos da estratégia para obter a extradição.
"Em processos de extradição convém não tirar conclusões antecipadas, é uma matéria cheia de nuances e que detalhes fazem muita diferença", afirma Aras, que também é professor de direito internacional e processo penal na UFBA (Universidade Federal da Bahia) e no IDP.
Deu certo: o tribunal superior declarou que Pizzolato poderia ser extraditado.

Nacionalidade mitigada
Faltava ainda a etapa política: o governo da Itália decidir discricionariamente, nos termos do tratado de extradição entre os dois países (1993), a conveniência de extraditar Pizzolato. Se a impunidade de Battisti durante as gestões Lula e Dilma era uma nódoa na relação bilateral, no passado o Brasil havia devolvido o capo da máfia siciliana Tommaso Buscetta à Justiça de seu país de origem.
Nesta esfera jurídico-diplomática, argumentou que o Brasil não extradita cidadãos natos, mas podia extraditar naturalizados - situação análoga à de Pizzolato, que nascera em Santa Catarina, mas buscara refúgio na Itália apenas depois da condenação. Foi uma discussão jurídica sobre o conceito de preponderância da nacionalidade.
Quanto tudo parecia certo, Pizzolato ainda conseguiu retardar por mais sete meses a extradição com uma manobra questionando o rito do Ministério da Justiça da Itália.
Não custou barato para o contribuinte: a União pagou ao menos R$ 3 milhões (valores corrigidos), segundo levantamento feito pelo colunista no Diário Oficial à época, com custas do processo, honorários da banca italiana, viagens e diárias de servidores brasileiros à Itália.
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