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José Paulo Kupfer

Sem ter onde estocar, investidores até pagam para se livrar de petróleo

20/04/2020 18h47

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Situações extremas e inusitadas estão se tornando corriqueiras com a pandemia de Covid-19. A mais recente e espantosa dessas anomalias está se dando no mercado de petróleo. As cotações da mercadoria antes preciosa, conhecido como "ouro negro", que já vinham em queda acelerada, desabaram a níveis nunca imaginados, chegando ao terreno negativo.

Os contratos futuros para entrega de petróleo em maio, no mercado dos Estados Unidos, estão sendo negociados em valores negativos. Com medo de não ter mais onde estocar a mercadoria produzida e não consumida, os investidores estão tentando se livrar do petróleo a qualquer preço.

Esse "qualquer preço" chega ao ponto de pagarem para não ter de arcar com custos de armazenagem acima do preço do produto. No fim da tarde desta segunda-feira (20), o preço do barril do petróleo WTI, negociado em Nova York e referência para o mercado americano, era negociado a menos US$ 13, tendo descido a menos US$ 37 durante o pregão. A cotação do tipo Brent, negociado em Londres e referência para Europa e Ásia, fechou abaixo de US$ 30.

Com o verdadeiro colapso na atividade econômica, em consequência das severas restrições de circulação de pessoas, o mundo está literalmente se afogando em petróleo. A produção mundial, que já vinha crescendo, deu um salto para cima com a queda de braço entre Arábia Saudita e Rússia, iniciada há 40 dias.

A oferta prevista para 2020 supera 80 milhões de barris/dia, ao mesmo tempo em que a demanda, antes estimada em cerca de 100 milhões de barris diários, despencou entre março e abril. Com isso, os estoques explodiram. Dos 110 milhões de barris armazenados no mar, em fins de março, os estoques marítimos, na sexta-feira (17), já estariam na casa de 140 milhões de barris.

Um acordo entre Rússia e Arábia, intermediado pelos Estados Unidos, para fechar a torneira de seus poços, vai reduzir a oferta em pouco menos de 10 milhões barris/dia, em maio. Projeções de especialistas do mercado de petróleo apontam um corte no consumo três vezes maior do que esse volume, em abril.

No mercado de petróleo, a expectativa, neste momento, é de que ocorra alguma retomada gradual das atividades econômicas já a partir de junho, e com mais intensidade no segundo semestre. Em razão dessa suposição, para os especialistas, os preços do petróleo voltaram a subir, ainda que moderadamente, no mercado futuro.

Mas, como todas as projeções, no ambiente atual, dominado por um vírus para o qual ainda não se conhecem medicamentos eficazes e muito menos estão disponíveis vacinas, sobrevivem mais incertezas do que cálculos convincentes.

O fato é que a paralisação repentina e ampla da circulação de pessoas atingiu fortemente os meios de transporte em todas as suas modalidades, e, na esteira, o mercado de petróleo. Automóveis e ônibus urbanos saíram das ruas, ao mesmo tempo em que os aviões ficaram no chão. Sem falar na freada que atingiu as máquinas movidas a petróleo nas fábricas e sistemas de fornecimento de energia por usinas a óleo.

A queda nos preços do petróleo e o problema inédito de falta de espaços para estocar o produto, são ambos derivados do corte profundo na demanda. São também uma medida da gravidade e do tamanho da crise econômica global causada pelas medidas de isolamento social inevitáveis para conter o contágio, o estrangulamento dos sistemas de saúde e as mortes em massa.

É imenso o impacto da cadeia de produção e comercialização de petróleo no conjunto da atividade econômica global. Quando os preços do petróleo caem por excesso de oferta, empresas e trabalhadores do setor podem ser prejudicados, mas a economia como um todo é beneficiada. Não é, infelizmente, o caso agora. Quando a queda de preço se dá por contração da demanda, a perspectiva é a de que todos sejam prejudicados.