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José Paulo Kupfer

Fuga de capitais se acentua e alerta para falta de confiança no Brasil

27/05/2020 04h00

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Um perigo crescente está rondando a economia brasileira. É um inimigo camuflado, que se esconde atrás dos resultados satisfatórios de parte das contas externas. Há tempos ele se encontrava inerte e neutralizado, mas agora dá sinais de voltar a se infiltrar nas linhas de defesa aparentemente robustas das reservas internacionais.

Esse inimigo atende pelo nome geral de "fuga de capitais" e se apresenta em dois formatos: saída líquida de recursos aplicados no mercado financeiro — ações, renda fixa e fundos —; e redução do IDP (investimento direto no país), tanto na modalidade "participação no capital" (inversão em ações de empresas no Brasil) quanto na forma de "empréstimos intercompanhias" (financiamentos das matrizes no exterior a subsidiárias no Brasil).

Sua ação é insidiosa porque, enquanto a saída de capitais vai corroendo as contas externas como um todo, a balança em transações correntes, que contabiliza o saldo de exportações e importações, mais a conta de serviços, tende a apresentar, no momento atual, déficits menores. Assim, o que parece caminhar bem, na verdade, pode significar problemas no futuro próximo.

O próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem demonstrado preocupação com a tendência de fuga de capitais. Há duas semanas, em conversa com empresários do agronegócio, Campos Neto não usou meias palavras ao dizer que o Brasil é um dos países mais afetados pelo fenômeno entre os emergentes.

É esse movimento de saída de capitas, segundo ele, que ajuda a explicar porque a moeda brasileira é a que registra maior desvalorização entre as emergentes. Ao longo de 2020, o real já se desvalorizou quase 40% em relação ao dólar.

É fato que, depois de muitos anos fazendo o caminho de ingresso no país, os capitais estrangeiros começaram um movimento no sentido contrário. As saídas se tornaram mais visíveis já em 2019, mas estão acelerando o passo agora em 2020.

A principal razão para esse movimento de retirada de capitais do país tem origem na pandemia global de Covid-19, que está promovendo forte contração da economia em todos os cantos do planeta. Nas grandes crises globais, os países emergentes são as maiores vítimas da corrida dos investidores estrangeiros por maior liquidez e a segurança de mercados mais maduros. Simultaneamente às voltas com uma crise sanitária, econômica e política, é inevitável que as desconfianças em relação ao Brasil sejam ainda maiores.

Só em março, a retirada de recursos estrangeiros do mercado financeiro brasileiro somou US$ 23 bilhões. Em abril, segundo dados divulgados nesta terça-feira (26) pelo Banco Central, mais US$ 7,3 bilhões dos investimentos estrangeiro em carteira voaram para fora do país. Nos últimos 12 meses, estrangeiros retiraram do mercado mais de US$ 60 bilhões.

Do lado do investimento estrangeiro direto, a situação, há muito tempo tranquila, também começa a preocupar. Nos últimos anos, o ingresso de IDP ficado mantido acima de US$ 5 bilhões mensais, chegando a valores anuais na vizinhança de US$ 80 bilhões, no acumulado em 12 meses, equivalentes a mais de 4% do PIB e capazes de cobrir, até com folga, os déficits correntes com o exterior. Em abril, porém, só foram trazidos US$ 236 milhões, o menor volume desde 1995, início no país de um período de crises cambiais agudas, dentro e fora do Brasil.

De acordo com o BC, o resultado de abril, bem abaixo das expectativas dos analistas, que previam ingressos de US$ 2 bilhões, se deve aos prejuízos registrados pelas empresas estrangeiras que operam no Brasil, como reflexo dos choques causados pela pandemia. As perspectivas negativas também foram responsáveis pela estabilidade das entradas de empréstimos intercompanhias, no mês passado. Projeções para o ingresso de investimentos externos diretos em 2020 apontam agora entradas de no máximo US$ 50 bilhões - quase 40% menos do que em 2019.

Para os próximos meses, a expectativa é de que o déficit em transações correntes diminua, com o recuo das importações, das viagens internacionais e da remessa de lucros. No ano passado, o saldo em transações correntes foi negativo em US$ 50,7 bilhões, enquanto para 2020 as projeções estão em torno de US$ 20 bilhões. Em contrapartida, espera-se aceleração da fuga de capitais. Há amplo espaço para esse movimento de saída, uma vez que, mesmo com as perdas registradas em 2019, o estoque de recursos externos aplicados no mercado financeiro brasileiro ainda soma quase US$ 400 bilhões.

O economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, reputado analista de conjuntura econômica, é um dos especialistas que temem a aceleração do movimento de saída de capitais. Segundo ele, o risco é o de que a pressão sobre as conta de capital e conta financeira da balança de pagamentos, mesmo com redução dos déficits em transações correntes, leve, depois de longo período de superávit, a uma posição deficitária.

Enquanto a balança de pagamentos, que contabiliza todas as transações do país com o exterior, foi superavitária, refletindo o fato de que as contas de capital superavam os déficits correntes, o país acumulou reservas internacionais. Ocorrendo uma inversão de posições — retração das contas de capital maior do que a redução dos déficits correntes —, o resultado será a queima de reservas, o que impulsionaria novas desvalorizações do real.

As oscilações da balança de pagamentos, historicamente, acompanham as idas e vindas das contas de capital. Depois de uma última forte elevação em 2010, os acumulados em 12 meses das contas de capital passaram a registrar trajetória de queda, com pequenas altas pontuais no meio do caminho. Agora em março bateu em zero.

Não por coincidência, os superávits da balança de pagamentos vieram caindo, até começar a apresentar resultado negativo, a partir do terceiro trimestre de 2019. As reservas, por sua vez, que fecharam 2018 no nível de US$ 374,7 bilhões, encerraram 2019 com volume 5% inferior, com US$ 356,9 bilhões. Em fins de março deste ano, as reservas somavam US$ 345,3 - US$ 11,6 bilhões e 3,2% a menos do que apenas três meses antes.