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José Paulo Kupfer

Alguns indicadores ajudam a evitar surpresas com o dólar. Saiba usá-los

09/06/2020 17h04

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De todos os indicadores listados pela Boletim Focus, publicação semanal do Banco Central que organiza as projeções de economistas do mercado, o da taxa de câmbio é o que mais apresenta desvios em relação à realidade. Os erros de previsão da cotação do dólar são tão comuns que até uma boa anedota, segundo a qual prever quanto estará o dólar no futuro é um exercício que foi criado para humilhar os economistas, perdeu a graça, de tão repetida.

No momento, as previsões do Focus são de que a cotação do real ante o dólar termine 2020 em R$ 5,40. As instituições "Top 5", ou seja, as cinco que mais acertam a projeção, estão prevendo um dólar a R$ 5,20, no fim do ano. Análises baseadas em gráficos de tendências, encontravam espaço para uma descida da cotação até R$ 4,70 e, caso essa linha de suporte fosse ultrapassada, um recuo mais forte ao nível de R$ 4,40.

Mas quem garante? Depois de uma semana em que, numa evolução surpreendente, a cotação do dólar recuou mais de 10%, na maior valorização semanal do real em 12 anos, indo bater em R$ 4,80, nesta terça-feira (9) ocorre uma reversão. A moeda americana fechou cotada a R$ 4,88. Seria apenas um ajuste, na sequência de quedas excessivas, ou o início de uma nova tendência de alta?

Ninguém pode dizer que tem a resposta, mas é possível lançar mão de um arsenal de indicadores capazes de estreitar a amplitude dos chutes e fornecer elementos para evitar surpresas sobre a evolução do dólar. Se, em prazo mais longo, os fundamentos da economia pesam no vaivém das cotações, no curto prazo são outras as causas das altas e baixas.

A trajetória da taxa de câmbio, pelo menos no presente ciclo cambial, parece seguir uma tendência que fica mais nítida a partir de 2018, derivada dos níveis de liquidez dos fluxos globais de capital. A chave do movimento, como não poderia deixar de ser, é a busca de rentabilidade.

Essa rentabilidade é definida pelo diferencial entre as taxas de juros de referência dos mercados internacionais e do mercado doméstico, ajustada por um indicador do risco-país, caso do mais popular deles atualmente, o CDS (Credit Swap Default). "O prêmio de risco, que tinha subido muito nos primeiros tempos da pandemia, começou a ceder, de fins de maio para cá, no Brasil e em todos os emergentes", constata a economista Julia Braga, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense).

É possível visualizar as relações entre a trajetória das cotações do real ante o dólar e os diferenciais de juros, ajustados pelos prêmios de riscos, neste gráfico elaborado pela economista, que estuda as trajetórias e tendências dos prêmios de risco em economia emergentes. As curvas da taxa de câmbio e dos diferenciais ajustados de juros são um espelho uma da outra.

gráfico julia - reprodução - reprodução
Imagem: reprodução

Mas o que teria levado o risco-país a recuar, no Brasil e nos demais emergentes, a partir de fins de maio? Segundo a avaliação de Julia, a resposta está associada ao aumento da liquidez, nas economias maduras, impulsionada pelas recorrentes injeções de recursos nos mercados, sob o comando dos bancos centrais.

Indicadores indiretos de liquidez, como o índice VIX, que mede, em tempo real, a volatilidade nos mercados, depois de fortes altas em março, passaram a desacelerar, também de forma acentuada. Conhecido como o "índice do medo", o VIX é o termômetro preferido dos operadores para acompanhar as expectativas futuras dos mercados.

Quanto mais alto o VIX, mais o mercado se mostra volátil e arriscado. O VIX do SP500, o principal índice do mercado de ações americano, por exemplo, despencou de 82,69, em 16 de março, para 24,52 pontos, na sexta-feira, 5 de junho. No começo desta semana, o índice está apontando uma ligeira reversão, talvez um ajuste em relação à forte queda anterior.

A evolução da pandemia da Covid-19, nos países de economia madura está por trás de todos esses movimentos. Os níveis em que os choques simultâneos de oferta e de demanda afetaram a atividade econômica explica não só a reação dos governos e dos bancos centrais, injetando dinheiro nas economias, mas também o sentimento dos investidores, e suas ações nos pregões.

Primeiro, com as incertezas em relação à evolução do contágio e das consequências do novo coronavírus, a busca de segurança, com a "fuga para a qualidade" dos papéis do Tesouro americano. Depois, com a abundância de recursos e a expectativa de uma retomada mais rápida e mais vigorosa, a partir do início do relaxamento das medidas de isolamento social, a volta da procura pela rentabilidade, inclusive em mercados tidos como mais arriscados, como os dos países de economia emergente. Quedas recentes nos juros dos papéis de cinco anos do Tesouro americano confirmam essa disposição.

Dados do mercado de trabalho americano, que já deu sinais de recuperação em maio, depois de um violento mergulho em abril, dão sustentação a esse sentimento do que o pior teria passado e a retomada poderá vir a ser no formato de "V". Outros indicadores relevantes, como os que captam os preços do petróleo, novamente em alta, também estão sinalizando uma tendência de recuperação da atividade econômica, pelo menos nos países que conseguiram controlar o contágio da Covid-19.

Resumindo a história, se não dá para cravar a trajetória futura das cotações do dólar, há um conjunto disponível de indicadores que permitem delimitar a dispersão das tendências. Saber usá-los não garante lucros, mas pode ajudar a driblar prejuízos.