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José Paulo Kupfer

Corte conservador nos juros mostra BC conformado com dez anos de estagnação

17/06/2020 18h27

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O corte de 0,75 ponto percentual na taxa básica de juros (taxa Selic), decidida no início da noite desta quarta-feira (17), pelo Comitê de Política Monetária (Copom), confirma o que havia sido antecipado pelo próprio Copom, no comunicado e na ata da reunião de maio. Poderia ser feito um último corte na Selic, que a reduziria até 2,25% nominais ao ano, permanecendo nesse nível daí em diante. No comunicado emitido após a reunião, porém, o comitê abriu a possibilidade de efetuar mais um corte, provavelmente de 0,25%, na reunião dos primeiros dias de agosto, fixando os juros básicos em 2% ao ano.

Na ata de maio, a redução da Selic para 2,25% era considerada pelos diretores do Banco Central como o "limite efetivo mínimo", a partir do qual haveria aumento de riscos para a estabilidade financeira na economia. Esses riscos se apresentariam sob a forma de pressões altistas sobre a cotação do dólar, o que poderia acarretar elevação nos índices de inflação e dificuldades para os balanços das empresas com dívidas em dólar. Apesar da cautela, o pequeno espaço aberto agora para um ajuste mostra o peso de uma dura realidade de enorme ociosidade na economia.

Criticada à direita e à esquerda das linhas de pensamento econômico, a ideia do "limite mínimo" de redução da Selic, de fato, esbarra na realidade. A economia brasileira, que já caminhava em marcha lenta desde fins de 2019, foi duramente atingida pela pandemia de Covid-19, registrando pesada contração na atividade econômica desde a segunda metade de março. Já se sabe que o mergulho de abril foi histórico e mesmo indicadores já conhecidos de maio apontam uma "recuperação" que ainda deixa grande distância em relação aos números de maio do ano passado.

Projeções para a evolução do PIB e da inflação, em 2020 e 2021 apontam quedas inéditas neste ano e recuperação tímida no ano que vem. A mediana das estimativas do Boletim Focus, no qual o BC organiza, semanalmente, as previsões dos analistas de mercado, projeta, no momento, contração de 6,5% para o PIB de 2020 e expansão de 3%, em 2021. Para a inflação, as previsões do Focus são de alta de 1,76% este ano e de 3%, no próximo ano.

Há outras projeções, de consultorias econômicas e de organismos internacionais, como o Banco Mundial e a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com números piores, apontando recuo do PIB entre 8% e 10%, e alta da inflação abaixo de 1,5%. Mas, mesmo apostando nas previsões medianas do mercado, menos pessimistas no momento, as críticas ao conservadorismo do Copom se apoiam em fatos.

Além disso, também parece exagerada a preocupação com os possíveis efeitos de uma possível alta do dólar na capacidade de solvência das empresas. Empresas - e também o governo - são credores líquidos em dólar e, assim, altas na taxa de câmbio, diferentemente de provocar dificuldades, trariam ganhos.

O sistema de metas de inflação obriga o Copom a calibrar a taxa básica de juros de modo a levar a variação da inflação, no fim do ano civil, ao centro da meta definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Se ocorrer desvio em relação ao centro, a ponto de a inflação efetiva ficar acima do teto ou abaixo do piso do intervalo de tolerância, o presidente do BC tem de cumprir o ritual de enviar uma carta ao ministro da Economia, justificando a "falta" e relatando o que pretende fazer para evitar que o erro se repita.

Ao longo das mais de duas décadas de vigência do sistema de metas, em cinco ocasiões os intervalos de tolerância foram superados. Dessas, apenas uma vez, em 2018, a obrigação de "pedir desculpas" e prometer corrigir o desvio no ano seguinte se deu em razão de um furo do piso.

Confirmadas as expectativas dos analistas, em relação à marcha da inflação em 2020, este será o quinto ano consecutivo em que a inflação ficará abaixo do centro da meta. A histórica contração da atividade econômica, o nível altíssimo de desemprego e a inédita ociosidade da capacidade de produção instalada previstos sugeririam mais agressividade da parte do Banco Central.

Em artigo no blog do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia/FGV), o economista Ricardo Menezes Barboza, professor da Alumni Coppead/UFRJ, resumiu o que o conservadorismo do BC expressa. Com a pandemia, deve se alargar ainda mais a distância entre o atual nível de produção total de bens e serviços e o pico alcançado em 2013. "Com sorte", segundo Barboza, "só em 2023 regressaremos aos níveis de produção de 2013".

Seriam pelo menos dez anos de estagnação econômica.