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José Paulo Kupfer

Vale a pena aumentar a carga tributária e garantir renda básica permanente?

05/08/2020 04h00

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Chegou agosto, o último mês em que o auxílio emergencial de R$ 600 deverá ser pago, se não houver nova prorrogação do benefício. Tal tem sido o impacto positivo que se acumulam pressões para sua continuação por mais algum tempo ou mesmo sua substituição por uma renda básica mais permanente.

Ao mesmo, numa espécie de adaptação aos tempos de pandemia da terceira lei de Newton - aquela segundo a qual a toda ação corresponde uma reação igual e da mesma intensidade -, crescem também as preocupações quanto à necessidade de acomodar os fortes efeitos fiscais da extensão do suporte governamental aos vulneráveis e informais. Nesse caso, as pressões se dão em torno da manutenção ou não da regra que limita os gastos públicos, do aumento ou não da carga tributária e da amplitude da reforma tributária requerida para atender às necessidades dos novos tempos - incluindo a reintrodução ou não de uma CPMF.

São cada vez mais evidentes os sinais de que o auxílio emergencial terá de ser transformado em permanente, ou pelo menos estendido por um período bem mais longo de tempo. Estendido no tempo ou permanente, o auxílio deixará, obviamente, de ser "emergencial", passando a configurar um programa de renda básica.

Se será focado ou universal, com ou sem condicionalidades, com que volume de transferência de renda, essas são questões que será preciso enfrentar. Mas, até pelos ganhos políticos para o presidente Jair Bolsonaro, que pesquisas estão indicando, dificilmente algum arranjo na direção de uma renda básica deixará de ser adotado.

Começa-se a falar, por exemplo, numa extensão do auxílio emergencial até o fim do ano, no valor de R$ 200. A quantia é baixa e, provavelmente, surge como uma referência inferior na barganha que o Planalto vai tentar com o Congresso. Como no nascimento do próprio auxílio, para o qual o Executivo inicialmente propunha esses mesmos R$ 200, o Congresso deve dar lances maiores.

Além de possivelmente ajudar Bolsonaro a se aproximar de uma fatia do eleitorado que lhe foi hostil na eleição de 2018, aquela de renda mais baixa e menor escolaridade, com concentração no Norte e no Nordeste, o auxílio impactou as taxas de pobreza e a própria atividade econômica. Os R$ 600 mensais transferidos estão mitigando a retração econômica e promovendo uma acentuada, embora temporária, redução da pobreza.

Levantamentos mostram que, em maio e junho deste ano, depois do início da distribuição do auxílio emergencial, o número de brasileiros miseráveis (em situação de extrema pobreza, com renda de no máximo US$ 1,90 por dia) caiu de 4,2% da população para 3,3%. Em dois meses, o auxílio tirou dois milhões de pessoas dessa situação degradante. No mesmo período, o total de brasileiros em situação de pobreza (renda de no máximo US$ 5,50 por dia) diminuiu de 23,8% da população para 21,7%. Com o auxílio, o número de pobres recuou de 50 milhões para 45,5 milhões de cidadãos.

Esses mesmos levantamentos também informam que a retirada do auxílio levaria a extrema pobreza e pobreza de volta para a situação vigente em 2007. Naquele ano, cerca de 10% da população viviam em extrema pobreza, representando um contingente equivalente hoje a 20 milhões de pessoas. Ou seja, sem o auxílio, o número de miseráveis triplicaria.

O problema é que o auxílio emergencial, que transfere renda acima da média de R$ 400 mensais, recebida por metade da população, é um programa caro. Com custo de R$ 50 bilhões mensais, o auxílio gasta por mês mais do que o Bolsa Família gasta por ano. De abril, quando foi instituído, até agora, o auxílio consumiu R$ 135 bilhões, equivalentes a 2% do PIB.

Além do auxílio, transferências para estados e municípios, linhas de crédito e suporte à área de saúde reúnem programas que somam gastos da ordem de R$ 400 bilhões, algo como 6% do PIB. Embora só metade desse montante já tenha sido desembolsado, os valores previstos para o conjunto dos gastos com a pandemia, em 2020, levarão a dívida pública bruta para perto de 100% do PIB, e ajudarão o déficit público a galgar números gigantes, acima de 10% do PIB.

Nesse quadro, é praticamente inevitável que o teto de gastos, principal âncora fiscal, seja rompido em 2021. Isso só não ocorrerá se forem feitas torções e manobras fiscais na destinação dos recursos, ou o "estado de calamidade", que vale até fim de dezembro, venha a ser prorrogado, permitindo a definição de créditos extraordinários, como os adotados em profusão, neste em 2020.

Esse é o pano de fundo do nó fiscal que o país terá de enfrentar. É certo que não poderá continuar com um sistema tributário tão desequilibrado, disfuncional e regressivo, em que, numa subversão da lógica tributária, quem pode mais contribui menos. Também não será com dribles ao estilo de CPMFs que o nó será desatado. Até porque CPMFs, tributos que incidem em cascata, reforçariam as disfunções que terão de ser resolvidas com a reforma tributária inadiável.

Também é quase inevitável que a carga tributária, já elevada, mas muito desequilibrada, tenha de ser, mais uma vez, aumentada. Esse aumento será tão menor quanto mais equilibrado for o sistema tributário que resultar da reforma agora de volta à agenda.

É possível reunir diversas indicações de que essa elevação da carga tributária poderá ser transitória. A carga, não custa lembrar, expressa a relação entre o total da arrecadação de tributos e o PIB. Com renda básica e sistema tributário mais eficiente, abrem-se espaços para incrementos no consumo e no investimento, o que resultaria em maior crescimento da economia e, portanto, em reduções na carga tributária.

A resposta à pergunta se vale a pena aumentar a carga tributária para dar suporte a um programa de renda básica, dependendo do tipo de aumento na carga e do tipo de programa de renda básica, pode ser um "sim". Se as reformas de fato visaram a elevar o grau de bem-estar geral da população, acabará revertendo em expansão da atividade econômica, promovendo mais empregos, consumo, investimento. Se a economia entrar num círculo virtuoso, e voltar a crescer com consistência, a arrecadação mais alta não significará carga tributária mais elevada.