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José Paulo Kupfer

Pandemia aumenta risco de falsos positivos em indicadores de atividade

14/08/2020 16h51

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Estatísticas são como os biquinis, mostram tudo menos o essencial. A frase, atribuída ao economista Roberto Campos, ministro no governo do Marechal Castelo Branco, cai como uma luva nas interpretações dos dados do comportamento da economia, em meio à pandemia de Covid-19. A avaliação de que a economia brasileira está em recuperação - e recuperação na forma de um "V" - é, de fato, o que mostram os números, quando se observa o comportamento mês a mês. Avaliando com mais atenção informações ampliadas, contudo, esta conclusão configura um falso positivo.

É tão óbvio que uma retomada, mesmo tímida, depois de uma queda acentuada, em espaço curto de tempo, só poderá resultar numa curva em formato de "V". Se isso é tão evidente, a conclusão de que se trata de uma recuperação em "V" não serve para nada. Uma verdadeira recuperação em "V" - ou seja, mais vigorosa -, resumindo, exige um período de tempo maior para que possa ser contatada.

O IBC-Br (Índice de Atividade Econômica), de junho, divulgado nesta sexta-feira (14), é mais uma prova da necessidade de extrair das estatísticas o que realmente é essencial. O índice mensal calculado pelo Banco Central subiu 4,89% entre maio e junho, mas recuou 7,05%, na comparação com junho de 2019. Efetuados os ajustes sazonais, a atividade, em junho, ainda se encontrava 14,4% do nível pré-pandemia, de fevereiro deste ano. Significa que a economia voltou a crescer, mas que tipo de crescimento é esse?

Para imaginar o formato da curva, pode-se considerar sua trajetória de março a junho. Em março, o IBC-Br recuou 6,1% sobre fevereiro, em abril caiu 9,6% em relação a março. Quando começa a retomada, em maio, o IBC-Br estava 16,3% abaixo do nível de fevereiro. Com a expansão de 1,6%, em maio, a curva mostra um "V" com uma perninha micro no lado direito de quem olha o gráfico. Acumulando o crescimento de maio com o de junho, a perna da direita recuperou 6,5%. No visual, a perna da esquerda do "V" ainda é pouco maior do que um terço da perna da direita.

Observando o acumulado no segundo trimestre do ano, vê-se que a atividade foi 10,9% menor do que no primeiro trimestre (e 12% inferior ao nível do segundo trimestre de 2019). A queda trimestral, embora mais branda do que projetado anteriormente, é muito forte. Se a marcha da atividade fosse medida pelo método usado nos Estados Unidos, calculando a taxa de variação anualizada (acumulação por quatro trimestre da mesma da taxa do trimestre em questão, simulando o que aconteceria se aquele ritmo se repetisse por um ano), o tombo seria de espantosos 51,2%!

Dados já conhecidos de julho e alguns preliminares de agosto, indicam que as variações positivas na atividade continuarão prevalecendo. Ainda assim, aos poucos, o "V" dos primeiros meses deve ir se transformando numa espécie de "U", com a base levemente inclinada para cima.

O quadro geral não é favorável a uma expansão mais vigorosa, que de fato permita supor um crescimento em "V". O tamanho da contração no mercado de trabalho, com perdas acentuadas na população ocupada (formal e informal), é um elemento que opera na direção contrária a uma retomada forte. O efeito líquido da ação desse freio com o impulso das transferências de renda (auxílio emergencial) e sustentação de empregos formais, será um avanço em ritmo lento, dependente da manutenção desses programas.

De acordo com as estimativas mais recentes, o PIB do segundo trimestre, previsto para ser publicado no início de setembro, mostrará alinhamento com o IBC-Br, apresentando queda em torno de 10%. É um mergulho mais suave do que os até 20%, previstos anteriormente, mas não é pequeno. Para o ano como todo, seguindo a tendência de abrandamento das previsões de queda, as estimativas convergem agora para uma contração em torno de 5%. Caso a projeção se confirme, isso vai comer os pequenos ganhos obtidos depois de 2016.