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José Paulo Kupfer

Pandemia nacionaliza eleição municipal; temas econômicos entram no 2º turno

17/11/2020 04h00

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Temas locais, conjuntura local, disputas políticas locais são pontos em torno dos quais costumam girar eleições municipais. O que sai, portanto, das urnas nas cidades, embora relacionado com as questões da política estadual e nacional, não indica, necessariamente, tendências claras do eleitorado quando se abre o foco para fora do município ou da região.

Nem sempre, contudo, é assim, e são fortes as indicações de que não foi assim, como costuma ser normalmente, no pleito deste domingo (15), em que estavam em jogo o comando das prefeituras e os assentos nas câmaras de vereadores de mais de 5,5 mil cidades brasileiras. Há uma pandemia e a pandemia, uma situação anormal que afeta a tudo e a todos, produziu uma espécie de "nacionalização" desta eleição.

A pandemia, para começar, potencializou um fenômeno que vem se desenhando, eleição a eleição, de redução dos números de votantes aptos que não teclam números de candidatos nas urnas eletrônicas. A abstenção histórica poderia ser atribuída, em outros tempos, sem Covid-19, a desinteresse do eleitor na disputa. Com a pandemia, a tendência não se altera, mas o fato se acentua.

Em grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, a abstenção chegou perto de 30% e passou disso em Porto Alegre. No Brasil como um todo, alcançou 23%. É uma escalada, em eleições municipais, que começou com 16,4%, em 2012, avançou para 17,6%, em 2016 até chegar a perto de 1 a cada quatro eleitores, neste ano.

Além da pandemia, outros fatores, sem dúvida, podem ter contribuído para essa marca expressiva de ausentes do pleito. Cientistas políticos observam que, passo a passo, o voto facultativo, na prática, vai tomando corpo. O custo de não cumprir a obrigatoriedade do voto é baixa e, nesta eleição, pela primeira vez, foi possível justificar ausência pelo celular, sem ter de se dirigir a uma sessão eleitoral.

As abstenções, seja como for, acrescidas dos votos brancos e nulos, somaram entre 40% e 50% dos votos aptos, nas grandes capitais, tornando-se protagonistas nesta eleição. A ausência e os votos não válidos ficaram acima dos votos conferidos aos candidatos que passaram para o segundo turno.

Não foi só a redução praticamente pela metade dos votos possíveis que influenciou o resultado. Presumem especialistas que a ausência das urnas se concentrou no eleitorado mais idoso. A tendência é global, mas se aprofundou com o temor de enfrentar filas e aglomerações em locais de votação. Por isso, o peso do voto mais jovem pode ter sido destaque no pleito municipal de 2020. Não por coincidência as urnas registraram alguns recordes de renovação em câmaras municipais, com a eleição, inédita em algumas cidades, de vereadores mais jovens, mulheres, negros e pessoas LGBTs. A possível redescoberta da atuação política parlamentar e convencional, como caminho para mudanças sociais, depois de um curto período de demonização da atividade, é uma novidade desta eleição atípica.

Cabe ainda à pandemia a mais relevante nacionalização do pleito de 15 de novembro. Os eleitores castigaram os negacionistas da gravidade da Covid-19. Prefeitos comprometidos com as questões de saúde e o tratamento da doença, e também com atuação mais firme contra o contágio, foram reeleitos com grande margem de votos.

Embora seja prudente adicionar ressalvas ao argumento, a reeleição em primeiro turno de Alexandre Kalil, em Belo Horizonte, e Gean Loureiro, em Florianópolis, reúne evidências em favor da tese. As ressalvas ficam por conta do desempenho insuficiente para evitar uma segunda rodada, no caso de Bruno Covas, em São Paulo, que não relaxou com o combate à pandemia, e com a difícil chegada à disputa final de Marcelo Crivella, no Rio, cuja ação no enfrentamento da pandemia foi tida como inepta.

É possível que o negacionismo em relação à gravidade da pandemia pelo presidente Jair Bolsonaro esteja na raiz do fracasso da maioria dos candidatos ostensivamente apoiados por ele. Bolsonaro apoiou 59 candidatos, dos quais 13 candidatos a prefeito, 45 a vereador e um a senador (para a vaga, em Mato Grosso, de uma senadora cassada).

Do grupo, apenas dois foram eleitos em prefeituras, no primeiro turno, e dois disputam o segundo turno. Entre os vereadores apoiados só dez foram eleitos. Além disso, a votação do filho Carlos, vereador eleito no Rio, foi 30% inferior à obtida em 2016. São resultados que permitiram a muitos analistas incluir Bolsonaro entre os derrotados do pleito municipal de 2020.

A disputa do segundo turno em 57 cidades fará com que Bolsonaro continue na berlinda. Agora serão os temas econômicos, que compareceram mais como pano de fundo nas campanhas, sobretudo para as câmaras de vereadores, a ganhar peso na disputa direta do segundo turno pelas prefeituras de grandes cidades. A redução do auxílio emergencial e as incertezas quanto ao programa do governo federal para sustentar renda e emprego em 2021 devem emergir agora como pano de fundo da disputa municipal.

Na linha de frente desses temas, o desemprego terá lugar prioritário. É outra consequência da pandemia a alterar o roteiro normal dos debates eleitorais em pleitos municipais. Já acima de 15% da força de trabalho, e com tendência de alta, os problemas do desemprego em massa atingem diretamente a vida nas cidades. Não por coincidência, o primeiro debate do segundo turno pela televisão, em São Paulo, dedicou o bloco final às propostas dos candidatos Covas e Guilherme Boulos para combater o desemprego.

Também programas de sustentação de renda, manutenção de empregos e crédito a empresas serão cobrados dos candidatos. Eles mesmos se encarregarão de pressionar os oponentes nessa direção. Se apresentarem propostas atraentes, mas sem explicar com que recursos e em que condições pretendem recuperar a economia municipal, correrão riscos de perder votos.