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José Paulo Kupfer

Mais contágio e demora na vacina já derrubam previsões para a economia

12/01/2021 04h00

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Acompanhando o anúncio do fechamento das fábricas remanescentes da Ford no Brasil, nesta segunda-feira (11), já vão se acumulando, mal 2021 teve início, indicações de que a economia brasileira terá mais um ano de crescimento insuficiente. Um longo período, no qual a atividade tem sido incapaz de ocupar a capacidade produtiva instalada, tem provocado um círculo vicioso em que o desemprego - de mão de obra e de outros fatores de produção - tem resultado em contração da demanda, causando novos desinvestimentos que a reduzem ainda mais.

Com a paralisação das atividades com a pandemia, o mergulho foi ainda mais profundo. A retomada intermitente não tem conseguido mudar o quadro de sensação recessiva vigente desde que a economia saiu oficialmente da recessão, iniciada em 2014, em fins de 2016. Essa sensação parece apontar para uma continuidade em 2021, com números mais tímidos do que os recentemente projetados.

Em relatório desta semana a clientes de sua consultoria, o economista Affonso Celso Pastore, professor que formou gerações de profissionais, na USP e na FGV, já alerta para a perspectiva de frustração das projeções para o comportamento da economia em 2021. É bom levar em consideração as conclusões de Pastore, um dos mais conceituados analistas da conjuntura econômica brasileira, com sólida experiência acumulada.

Pastore concluiu que: 1) assistiremos a uma nova desaceleração da economia; e 2) as projeções de crescimento em 2021 serão revistas para baixo. No momento, de acordo com o Boletim Focus, publicação do Banco Central que divulga projeções dos economistas de bancos e consultorias, as previsões para a evolução do PIB (Produto Interno Bruto), neste ano, é de uma expansão de 3,41%, num recuo dos 3,5% previstos há quatro semanas.

Há pelo menos dois fatores que se movem na direção de frear algum tipo de esboço de recuperação da economia brasileira, em um ambiente de incertezas como raramente se tem notícia. O primeiro é a o recrudescimento dos casos de covid-19, inclusive com mutações mais contagiosas do coronavírus. O outro é a perda de tração da atividade econômica no fim do ano passado.

A pandemia tem avançado numa segunda onda e levado países da Europa a decretar lockdowns mais severos. Nos Estados Unidos, os casos de infecção e mortes, antes da posse do no presidente, o democrata Joe Biden, avançam em números inéditos. Mesmo com o início da vacinação em quase 50 países, o processo de contenção do contágio é naturalmente lenta. O impacto negativo sobre as economias será inevitável.

No Brasil, a descoordenação reinante no governo federal, além de seu envolvimento em disputas políticas com governadores em torno de vacinas e da vacinação, tende a provocar pelo menos dois efeitos indesejáveis. Um aumento dos casos de infecção e morte por covid-19, pela ausência de ações consistentes de distanciamento social, e atrasos nas campanhas de vacinação. A combinação dos dois elementos tende a resultar em barreiras para a recuperação da economia, com aumento do desemprego e consequentes restrições da demanda.

Como na primeira onda, agora na segunda, e com maior intensidade, Manaus, a capital do Amazonas, tem sido uma amostra antecipada do que pode ocorrer no resto do país. Depois de um movimento de comerciantes que impediu o fechamento do comércio, a ocupação hospitalar por casos de covid-19 explodiu na cidade. Falta de oxigênio e de leitos, inclusive para outras enfermidades, potencializou as mortes. No começo do ano, a Justiça decretou o fechamento de atividades não essenciais por 15 dias. Dificilmente situações semelhantes não acontecerão em outras regiões do país.

O outro elemento que pode levar a revisões baixistas nas previsões para o crescimento da economia é o conjunto de sinais de desaceleração na atividade, no fim de 2020. Ainda não foram divulgadas informações do movimento concreto da economia no último trimestre do ano passado, mas se acumulam indicações no sentido de que a retomada, depois do mergulho no primeiro semestre do ano passado, perdeu tração, no terço final de 2020.

Informações preliminares sobre as vendas de Natal, por exemplo, apontam essa desaceleração. As vendas físicas, no período natalino, de acordo com levantamentos da Serasa Experian, recuaram mais de 10%, em relação ao mesmo período de 2019, no pior desempenho desde 2003. O mesmo mostrou o Índice Cielo de Varejo, que capta movimentação de vendas do varejo e de serviços. Depois de uma alta em setembro sobre setembro de 2019, o índice recuou também mais de 10%, em outubro e novembro, na comparação com os mesmos meses do ano anterior.

Pastore, em seu relatório, menciona uma série de indicadores de confiança com perda de força no terço final de 2021. Um destaque foi o índice de confiança do consumidor que, já em dezembro, antes mesmo do fim do auxílio emergencial, caiu 3,2 pontos, descendo para 78,5 pontos e se afastando dos 87,8 pontos pré-pandemia. O retrocesso na confiança do consumidor alcançou não só as faixas de renda que perderiam o auxílio, mas todas abaixo de R$ 9.600.

É de se notar que as projeções para o crescimento da economia em 2021 se apoiam no carregamento estatístico derivado de uma aceleração na recuperação econômica, no fim do ano, depois de reverter o mergulho provocado pela pandemia. Essa transmissão de um ano para o ano produziria, de acordo com a mediana das estimativas, uma base de expansão equivalente a 2,5%.

Assim, a expectativa de expansão econômica autônoma para 2021 não passaria de 1%, totalização, em números redondos, 3,5%, no ano. Possíveis perdas começam a ser esperadas tanto na parcela do carregamento do ano anterior, pela desaceleração já captada no fim do ano, quanto no crescimento independente imaginado para 2021 - um recuo resultante do agravamento da pandemia e do atraso na imunização da população.

Uma reversão parcial desse quadro menos promissor, que já começa a ser projetado, poderia vir de adoção de algum tipo de renda básica, a exemplo do auxílio emergencial de 2020, ainda que em valor unitário mais baixo, e alcançando menor número de beneficiados. Para isso seria necessário alguma manobra legal que liberasse gastos públicos dos limites da regra do teto de gastos. As duas possibilidades - um novo auxílio e a flexibilização da regra do teto de gastos - estão na mesa do xadrez político, neste começo de ano, mas ainda não é certo que sejam concretizadas.