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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Recordes na Bolsa medem desempenho de ações, mas não refletem a economia

07/06/2021 16h55Atualizada em 07/06/2021 20h51

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A trajetória de variação do Ibovespa, o principal índice da Bolsa brasileira, tem descolado da realidade do comportamento da economia. Não é a primeira vez, e é certo que não será a última.

Na tarde desta segunda-feira (7), o índice confirmou seu novo patamar acima de 130 mil pontos, alcançado na sexta-feira (4), e já são corriqueiras, no mercado financeiro, projeções para um Ibovespa acima de 145 mil pontos, neste ano. Depois de fechar em ligeira alta de 3% em 2020, ano em que a economia recuou 4,1%, o Ibovespa já subiu quase 10% em 2021.

Afetados pelas reviravoltas provocadas pela pandemia de covid-19, desta vez, porém, também os indicadores costumeiramente usados para medir a temperatura da atividade econômica estão instáveis e carregados de incertezas. São muitas as dúvidas sobre o que realmente os números da economia no primeiro trimestre do ano estão revelando.

A economia cresceu acima das expectativas no primeiro trimestre do ano, levou a previsões de expansão no ano a mais de 5%, mas, segundo especialistas, independentemente da linha de pensamento, os números apontam uma série de falsos positivos. Em resumo, o terreno está fértil para projeções imperfeitas e conclusões enganosas. Existem riscos aumentados nos investimentos em Bolsa.

Não é também a primeira vez, nem será a última, que os governos de turno e seus apoiadores tentam tirar vantagem política da situação, quando a Bolsa sobe a ladeira dos índices. Do mesmo modo, não é a primeira vez, nem será a última, que oposicionistas ao governo de turno "descobrirão" que Bolsa e economia, conforme momentos e circunstâncias, podem não andar no mesmo passo. Essa não é, em absoluto, uma jabuticaba. Descolamentos entre índices de ações e atividade econômica não são peculiaridade brasileira, ocorrendo em todos os cantos do mundo.

Em qualquer mercado, as Bolsas costumam ser beneficiadas quando os juros na economia estão excepcionalmente baixos. Aumenta o "apetite ao risco", com se diz no jargão do mundo financeiro. Os juros básicos ainda estão baixos, mas ameaçam subir em quase todos os mercados.

Nos Estados Unidos, em 2020, por exemplo, deu-se o mesmo. A economia vivia a crise da pandemia, mas as Bolsas não refletiam o mergulho da atividade, evoluindo num clima de euforia. Todas as indicações do Fed (Federal Reserve, banco central americano) eram de que os juros de referência permaneceriam baixos, estimulando a aplicação no mercado de ações. O ambiente, em 2021, está ficando ainda mais incerto.

O presidente Jair Bolsonaro não fugiu à regra, nesse quesito de querer aproveitar, como ponto de marketing, a alta das cotações no mercado de ações. No pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, na quarta-feira (2), enquanto as panelas eram batidas país afora reprovando principalmente a condução do governo no combate à pandemia, Bolsonaro incluiu entre seus feitos a alta no Ibovespa.

A lembrança do momento de alta na Bolsa também apareceu, como ponto positivo para o governo, numa sequência de tuítes da Secretaria de Comunicação da Presidência, no domingo (6). Os tuítes eram uma reação a uma ampla reportagem de capa da influente "The Economist" sobre o Brasil, na qual a revista inglesa sugeria derrotar Bolsonaro nas urnas para tirar o país dos problemas, inclusive econômicos, em que se encontra.

A crença de que os mercados de ativos "antecipam" a economia real ajuda a disseminar a ideia de que movimentos dos índices do mercado de ações refletem o comportamento da atividade econômica. Na verdade, porém, os movimentos dos índices, principalmente no mercado acionário, medem, simplesmente, o desempenho das ações. Não é diferente no caso do Ibovespa.

Em 2010, quando a economia cresceu 7,5%, o Ibovespa avançou mero 1,04%. Fato ainda mais expressivo da inexistência de correlação causal direta entre comportamento da economia e dos índices de ações ocorreu em 2016. Naquele ano, a Bolsa, revertendo três anos de quedas, avançou 38,9%. A economia, porém, pelo segundo ano consecutivo, amargou forte recessão, recuando 3,3%, em 2016.

Para começar, o Ibovespa reúne papéis de 84 companhias, apenas um quarto do total de empresas listadas na Bolsa. O índice seleciona as ações mais negociadas e com maior volume de papéis em circulação. A participação de cada ação - parte representativa do capital da empresa - no índice é ponderada justamente pela liquidez, ou seja, pela quantidade de negócios efetivados.

Não se pode confundir o Ibovespa com a economia. Na atual composição do índice, apenas os papéis de empresas que operam no mercado internacional de commodities - Vale, Petrobras, JBS, BRF e outros frigoríficos, Suzano, siderúrgicas etc - representam 25% do todo o índice. Junto com as ações de empresas do setor financeiro, entre as coisas as da própria Bolsa, dominam metade do Ibovespa. Empresas de comércio eletrônico levam a concentração do índice a perto de 60% do conjunto.

Commodities, é certo, estão bombando. Isso puxando para cima as ações de empresas do setor e, na sua esteira, o Ibovespa. Mas o setor exportador não representa muito mais do que 10% do PIB (Produto Interno Bruto), e empresas do segmento de commodities, especificamente, respondem pelo equivalente a pouco mais de 5% do PIB.

Não se pode considerar que os movimentos de compra e venda de ações de apenas uma dúzia de empresas, de setores específicos, reproduzem os movimentos da economia como um todo. Esses movimentos são capazes tão somente de refletir as altas e baixas do Ibovespa.