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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Uns comemoram alta do PIB, enquanto a desigualdade bate recordes

15/06/2021 16h49

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Mantido o ritmo atual, em uma semana, o Brasil deverá registrar 500 mil mortes por covid-19. Na mesma época, serão quase 18 milhões de brasileiros, cerca de 8,5% da população, infectados pelo novo coronavírus. Mas nem esse quadro macabro constrange a euforia que, no momento, toma conta do mercado financeiro. Muito menos o fato de que o país bate recordes de pobreza, fome e desigualdades.

Bancos e consultorias financeiras estão atarefados nos exercícios de revisar para cima projeções de crescimento da economia em 2021. Uma expansão de 5%, em relação a 2020, quando o PIB (Produto Interno Bruto) recuou 4,1%, já é considerada piso. Taxas de variação mais altas são cada vez mais frequentes nas previsões, a partir da expectativa de que a vacinação avance em ritmo mais rápido.

Indicadores financeiros, que muitos, sobretudo no mercado financeiro, acreditam refletir os movimentos da economia também estão em alta. Pesquisa do BofA (Bank of America), divulgada nesta terça-feira (15), mostra que subiu de 42% para 75% o percentual de analistas que aposta que o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, estará acima de 130 mil pontos, no fim do ano.

Ou seja, na visão dos analistas de mercado, o Ibovespa não baixará do ponto em que agora já se encontra, mesmo com a prevista elevação da taxa básica de juros (taxa Selic) ao longo de 2021. Não falta animação também em relação à cotação do dólar, o que pode ser verificado na mesma pesquisa do BofA. Segundo apurado, aumentou de 5% para 25% dos consultados as apostas em que a moeda americana estará valendo abaixo de R$ 4,80, no fim do ano, 5% menos do que a cotação atual, que gira em torno de R$ 5.

É nesta economia de vento em popa, que estaria, de acordo com o sentimento do pessoal do mercado financeiro, deixando as sequelas da pandemia para trás, que a situação das pessoas, principalmente nos estratos de renda mais baixos, vai se mostrando cada vez mais difícil. A taxa de desemprego é recorde, a inflação, com grande peso de alimentos, o que afeta mais os menos ricos, é a mais alta desde 2015, a renda média familiar e individual vem caindo.

Levantamento da FGV Social (centro de estudos sociais da Fundação Getúlio Vargas), divulgado nesta segunda-feira (14), mostra que a renda mensal média do trabalho caiu, no primeiro trimestre de 2021, ao ponto mais baixo desde o início da série pesquisada, em 2012, ficando, pela primeira vez, abaixo de R$ 1.000. Considerando a renda individual do trabalho, entre o primeiro trimestre de 2020 e o mesmo período de 2021, a queda geral foi de 10,8%, mas chegou a 20,8%, no caso dos mais pobres.

Existem hoje 40 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza, e, enquanto quase 20 milhões enfrentam fome, mais de 110 milhões, metade da população, sofre com algum tipo de restrição alimentar involuntária. A extrema pobreza, que havia recuado de modo acentuado com o auxílio emergencial de R$ 600, concedido a mais de 65 milhões de pessoas, em 2020, sofreu fortíssima reversão com o fim do benefício e sua retomada tardia, em montantes muito menores e abrangência limitada.

A situação de alarmante insegurança alimentar tem sido agravada pela alta nos preços dos alimentos, cujos preços, no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampla), subiram 12,5%, nos últimos 12 meses, contra uma variação geral de 8,06%. Cálculos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelam que a inflação para os mais pobres avançou, em 12 meses, para 8,9%, enquanto restringiu-se a 6,3% para os mais ricos.

Nesse quadro, em que convivem sinais de avanço da atividade econômica e indicativos de retrocessos sociais, não surpreende que a desigualdade de renda tenha aumentado. No levantamento da FGV Social, no primeiro trimestre de 2021, o Índice de Gini, medida de referência dos níveis de desigualdade, alcançou o patamar recorde, em mais de 30 anos. Com índice 0,674 no período superou o índice de 0,634, de 1989 (medido de 0 a 1, o Gini indica maior desigualdade quanto mais próximo de 1).

Num país em que o passado pode ser incerto e teima em retornar, a situação atual lembra o período do "milagre econômico", entre fins dos anos 60 e meados dos anos 70 do século 20, em que a economia e as desigualdades viviam ambas um "boom". Num dos períodos mais duros de repressão política na ditadura, o presidente de turno, general Emilio Garrastazu Médici, cunhou uma frase célebre: "A economia vai bem, mas o povo vai mal".