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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Reforma do IR aprovada de surpresa e a toque de caixa é repleta de defeitos

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) Imagem: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

02/09/2021 17h06

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A Câmara dos Deputados completou, nesta quinta-feira (2), a votação da reforma do IR (Imposto de Renda). A reforma segue para o Senado, onde talvez seja possível dimensionar as consequências do que foi aprovado por uma esmagadora maioria de deputados, entre eles, os da oposição.

Nem especialistas em questões tributárias se arriscam a ir além de impressões gerais sobre o projeto que foi aprovado. A impressão genérica, de todo modo, é a de que a reforma, como aprovada na Câmara, terá impacto fiscal negativo, com perdas de arrecadação, configurando também perda de oportunidade para melhorar o sistema tributário.

Isso se deve ao processo de tramitação do projeto enviado pelo governo Jair Bolsonaro em fins de junho, e agora aprovado, com mudanças, na linha do rolo compressor que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem posto em prática. O projeto foi colocado em votação, de surpresa e a toque de caixa, na noite desta quarta-feira (1º), sem que o texto final estivesse disponível para consulta.

Para aprovar a reforma e camuflar o rolo compressor já armado, Lira costurou um acordo que envolveu lideranças do governo e partidos de oposição, garantindo que a aprovação da taxação de lucros e dividendos não seria vetada. Mesmo assim, na votação dos destaques, a tributação de dividendos foi um pouco mais aliviada, a começar pela redução da alíquota de 20% para 15%.

Em pouco mais de dois meses de discussão, o projeto de reforma do IR foi modificado pelo menos meia dúzia de vezes, com a elaboração, pelo relator Celso Sabino (PSDB-PA), de sucessivos substitutivos, que viraram o projeto original de pernas para o ar mais de uma vez. Essas modificações atendiam a pressões de grupos de interesses variados, obrigando o relator a ginásticas variadas para tentar manter, no conjunto, alguma neutralidade fiscal.

O monstrengo produzido com tantas idas e vindas acabou se preocupando pouco com objetivos de uma boa reforma —assegurar progressividade, isonomia, estímulos ao investimento e à eficiência econômica, entre outros— e chegou a correr o risco de ser engavetado.

O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que seria preferível desistir do projeto. Mas interesses políticos do centrão parecem ter falado mais alto. Hoje já ocupando postos-chave no Planalto, as lideranças do bloco, que domina a Câmara, vislumbraram oportunidade de se cacifar ainda mais com o governo, ao aprovar uma reforma, politicamente interessante ao presidente Jair Bolsonaro, que desonera tanto camadas médias quanto o alto da pirâmide de renda.

Fruto de um processo que caminhou no limite de irregularidades regimentais na Câmara —se é que não ultrapassou esse limite— e, portanto, que corre o risco de ser judicializado pelos eventuais grupos ou setores perdedores, o projeto aprovado está repleto de defeitos. Segundo especialistas, o texto aprovado é um terreno fértil para o planejamento tributário, ou seja, a busca de escapes legais para burlar a tributação.

Chamam a atenção, por exemplo, as exceções na tributação de dividendos. Acionistas de empresas sob o regime tributário do Simples e do lucro presumido, até o faturamento anual de R$ 4,8 milhões, continuam isentos do tributo. Com a redução do Imposto de Renda sobre a pessoa física, serão duplamente favorecidos.

Porém, se a empresa faturar R$ 1 a mais do que o limite de isenção, sem regra alguma de transição, será plenamente taxada. Trata-se de um incentivo irresistível à fuga do crescimento formal dos negócios e indução à subdivisão de empresas em outras menores. Um convite, em muitos casos, à ineficiência produtiva e econômica.