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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mais um Nobel para a atual, mas não unânime, economia 'de evidências'

12/10/2021 19h10

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O calendário marca, ano a ano, no início de outubro, um período em que os jornalistas têm de correr atrás de explicar certos cientistas, escritores, personagens globais em geral fizeram de tão importante para merecer o Prêmio Nobel. As justificativas das entidades, suecas ou norueguesas, que concedem a láurea, para suas escolhas são normalmente bem sucintas e pouco explicativas.

É um corre-corre para desvendar e depois explicar em linguagem popular a contribuição dos premiados ao progresso e ao bem-estar da Humanidade. Não é diferente no caso do Nobel de Economia - na verdade, um reconhecimento que pega carona no verdadeiro prêmio do começo do século 20, criado em 1968 pelo Banco Central da Suécia. Os anunciados, conhecidos da comunidade acadêmica, quase sempre precisam ser apresentados ao público em geral.

Com os laureados de 2021, são 88 premiados nos 53 anos de existência do Nobel de Economia. Desse total, três em cada quatro são americanos ou radicados nos Estados Unidos. Apenas duas mulheres ganharam a láurea - a americana Elinor Ostrom e a franco-americana Esther Duflo.

Os vencedores de 2021 foram, mais uma vez, pesquisadores de escolas americanas. Os três ganhadores estão na faixa dos 60 anos, são especialistas em econometria - o uso da estatística e da matemática na avaliação de teorias e resolução de problemas econômicos -, e expoentes da "economia com base em evidências", uma das linhas em alta, mas não consensual ou livre de críticas, na pesquisa econômica de ponta atual.

David Card, canadense radicado nos Estados Unidos, recebeu metade do prêmio pela "contribuição empírica em economia do trabalho", área que leciona na Universidade da Califórnia, em Berkeley. A outra metade da premiação, concedida pelas contribuições ao estudo das relações causais em economia, foi dividida pelo americano Joshua Angrist, do MIT (Massachusets Institute of Technology), e Guido Imbens, holandês também radicado nos Estados Unidos, professor de econometria na Universidade de Stanford.

A busca de evidências em economia, com a aplicação de princípios mais comuns em pesquisas em medicina ou biologia, já tinha sido premiada pelo Nobel em 2019, quando foram agraciados Esther Duflo e seu marido, Abhijit Banerjee, ambos do MIT, e Michael Kremer, da Universidade Harvard. Os três transpuseram a ideia de experimentos aleatórios - ensaios clínicos, com aplicação do princípio ativo em estudo a um grupo e de placebos a outro - no esforço de definição de políticas de combate à pobreza.

Angrist foi orientador de Duflo e, juntamente com Imbens, pesquisa relações causais em eventos econômicos, com base em experimentos naturais, dos quais Card é um pioneiro, com trabalhos de impacto já no começo dos anos 90 do século passado, na área de economia do trabalho. Juntamente com Alan Krueger, que morreu em 2019, Card mostrou, com pesquisas de campo, que a elevação do salário mínimo ocorrido no estado de Nova Jersey resultou em aumento do emprego, não em redução, diferentemente do que ensinava a teoria convencional.

O achado teve grande repercussão e valeu ataques de colegas, como relatou o próprio Card mais tarde. Coincidindo com a evolução das tecnologias computacionais de captura, organização e análise de massa de dados, as pesquisas de Card e, na sequência, de Angrist e Imbens, contribuíram para o desenvolvimento de uma linha promissora de pesquisa empírica em economia.

Há hoje uma enorme rede internacional de pesquisadores em economia, geralmente econometristas, desenvolvendo trabalhos de campo com o objetivo de amparar políticas públicas. Esses estudos derivam da "revolução de credibilidade" que os estudos de campo, com grupos de controle, trouxeram para o conhecimento econômico.

Apesar dos avanços que representam, os experimentos naturais em economia sofrem críticas que não se originam apenas da contestação ideológica das quebras de paradigmas teóricos que costumam produzir. Uma das críticas mais comuns, indaga até que ponto a evidência encontrada num determinado lugar ou situação valeria para outros contextos e regiões.

"O que funciona na Índia funcionaria no Brasil e o que vale para 100 pessoas valeria para dez milhões?", perguntou Angus Deaton, o escocês-americano Nobel de Economia de 2015, em famoso artigo de 2016. Deaton vocalizou as dúvidas de uma legião de críticos ou céticos.

Como, porém, destacou Paul Krugman, o popular colunista do jornal New York Times, ele também Nobel de Economia de 2008, em sua conta no Twitter, o que levou à premiação dos três economistas desta vez foram mais os métodos de pesquisa que desenvolvem do que as conclusões a que chegaram. Mas nem por isso as pesquisas sob o guarda-chuva da "revolução da credibilidade" deixam de ser relevantes.

As conclusões, de fato, dependem de circunstâncias variadas, nem sempre passíveis de controle, mas o método permite testar, mesmo que parcialmente, as teorias econômicas dominantes. São, assim, importantes ferramentas para a definição, em especial, de políticas públicas. Ajudam também a colocar em xeque dogmas teóricos da economia.

Em sua conta no Twitter, Krugman chamou a atenção para o fato de que a aplicação dos experimentos naturais a questões econômicas indicam a necessidade de intervenção de governos. "Quando pessoas como eu dizem que os progressistas são os realistas e os 'centristas' estão vivendo no passado, uma razão é que a pesquisa empírica moderna muitas vezes mina a ortodoxia do livre mercado", comentou Krugman.

Parece válido, de tudo isso, extrair que as ferramentas da economia baseada em evidências constituem avanço importante no pensamento econômico e na economia aplicada, mas não podem ser tomadas como panaceia. O risco seria cair naquela lógica bem conhecida, segunda a qual, se a única ferramenta de que se dispõe é um martelo, tudo vai acabar se parecendo com pregos.