IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Contas públicas no azul e entrada de dólar parecem casos de falso positivo

02/02/2022 04h00Atualizada em 02/02/2022 09h58

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Retrato estático não é filme dinâmico, e nem sempre bons resultados de momento refletem situação positiva em período mais longo. Essa verdade nem sempre conveniente vale para vários campos da atividade humana e é particularmente frequente na economia. A situação específica da economia brasileira neste início de 2022 parece ser bem um caso desse tipo, em mais uma prova de que muitas vezes as aparências podem enganar.

Uma primeira surpresa positiva veio com o resultado das contas públicas em 2021. O Banco Central divulgou, nesta segunda-feira (31), um superávit primário do setor público como um todo de R$ 64,7 bilhões, equivalente a 0,75% do PIB. Garantido por estados, municípios e empresas estatais - o governo federal ainda registrou déficit fiscal -, o superávit do ano passado interrompeu um ciclo de sete anos de sucessivos déficits públicos, iniciado em 2014.

Outra surpresa positiva veio do ingresso de recursos estrangeiros na Bolsa brasileira em janeiro. No mês, entraram R$ 32,5 bilhões, quase metade do volume total destinado por estrangeiros ao mercado de ações brasileiro em 2021. O movimento colaborou para que o Ibovespa, principal índice da Bolsa, sustentasse trajetórias de altas, fechando janeiro 7% acima de dezembro, na contramão das Bolsa americana, cujos principais índices recuaram entre 3,5% e 9%, no mês passado.

Reflexo em parte desse influxo de dólares, as cotações da moeda americana recuaram no primeiro mês de 2021. A queda foi de quase 5%, com o dólar valendo R$ 5,30, a menor cotação em quatro meses. Em janeiro, o real foi a segunda moeda mais valorizada ante o dólar no mundo, perdendo apenas para o peso chileno.

Parece promessa de novos tempos de céu azul para a economia brasileira. Mas, examinando melhor o ambiente e, principalmente, os cenários que se apresentam para o futuro próximo, é possível observar que a direção dos ventos está mais propícia para a formação de nuvens. É alta a probabilidade de que os resultados fiscais, assim como a marcha favorável das inversões externas e das cotações do dólar, estejam expressando falsos positivos.

A SPE (Secretaria de Política Econômica), do Ministério da Economia, divulgou uma nota informativa na qual procura mostrar que o resultado fiscal brasileiro de 2021 é o segundo "melhor" entre as 50 maiores economias do mundo, só perdendo para o Egito. A comemoração da SPE deixa, porém, um ponto de interrogação sobre o significado desse "melhor", na medida em que, em 2021, em meio a novas ondas da pandemia, grandes economias maduras - Estados Unidos, Reino Unido, Japão, França, Canadá -, que adotaram programas mais alentados de enfrentamento da pandemia e de seus efeitos na atividade e no emprego, estão entre os dez com "piores" resultados fiscais, em paralelo com índices econômicos e sociais em geral melhores.

Na apresentação do documento, o subsecretário Fausto Vieira fez questão de destacar que o resultado se deveu mais à redução de gastos do que a aumentos de arrecadação. Não é possível, porém, deixar de considerar o avanço da arrecadação em 2021. As receitas líquidas do governo federal avançaram, no ano, mais de 20% em termos reais, ou seja, já descontada a inflação. É um avanço robusto, incomum mesmo, decorrente de alguns fatores, nem todos desejáveis.

É intuitivo que receitas públicas aumentem com o crescimento econômico. Quanto mais produtos e serviços são consumidos mais aumenta o volume de impostos embutidos nos preços que são arrecadados. A economia, em 2021, deve ter crescido 4,5% em relação a 2020, quando caiu 3,9%. A recuperação registrada, embora cíclica, foi de bom porte, e ajudou, naturalmente, no aumento do bolo tributário.

Mas receitas públicas também crescem com fatores negativos. Por exemplo, inflação. O volume de impostos embutidos nos preços dos produtos cresce quando esses preços aumentam, e preços crescem pela força da inflação. Esta, de seu lado, também se eleva quando o dólar está alto em relação à moeda local.

Inflação e dólar altos, assim, são elementos que contribuem para a elevação de receitas tributárias, as quais, de seu lado, operam reduzindo déficits fiscais. No ano passado, a cotação do dólar subiu 7,5% enquanto a inflação passou de 10%. Ambos - inflação alta e dólar alto -, indesejáveis, estão na base da explicação para o bom resultado fiscal de 2021. A inflação, de fato, é um dos mecanismos clássicos de que se valem governos para promover "ajustes" fiscais que, na verdade, acabam desaguando em problemas econômicos.

Do lado das despesas, houve, realmente, forte enxugamento. No total, os gastos públicos recuaram de 26% do PIB, em 2020, para 18,5% do PIB, em 2021. Ajuste fortíssimo, de 7,5 pontos percentuais de um ano para o outro. Há dúvidas, porém, sobre a qualidade do ajuste e, além disso, o caráter dos cortes efetuados - se são sustentáveis ou não.

Os gastos para o enfrentamento da pandemia, em 2021, mal chegaram a um quarto do que foi injetado na economia no ano anterior - quando ocorreu a primeira onda de covid-19. A redução de R$ 524 bilhões para menos de R$ 130 bilhões explica cerca de 60% do corte de gastos no ano passado, sem contar o fim dos repasses a estados e municípios, mais 15% do encolhimento total. O restante quase todo saiu de cortes em benefícios previdenciários, refletindo efeitos da reforma da Previdência, da queda nas despesas de pessoal - servidores federais civis estão sem reajuste há cinco anos -, e nos gastos sociais - BPC (Benefício de Prestação Continuada), abono salarial e seguro desemprego.

Existe, contudo, um quase consenso de que o superávit de 2021 não se repetirá em 2022. As projeções são de um novo déficit primário, na altura de 1% do PIB, não só porque as receitas vão desacelerar - crescimento econômico será mínimo, se houver, e inflação será alta, mas menor - mas também porque haverá aumento de gastos.

Além da correção de despesas obrigatórias vinculadas ao salário mínimo, reajustado em 10% por causa da inflação de 2021, novos recursos públicos serão injetados na economia. Auxílio Brasil, emendas parlamentares e inevitáveis aumentos de despesas nos estados e municípios em ano eleitoral permitem antever maior volume de gastos públicos em 2022.

Quanto às entradas de dólares na Bolsa, a expectativa é de reversão com a elevação dos juros de referência no mercado americano, anunciada pelo Fed (Federal Reserve, banco central americano), com início já anunciado para março. Com juros mais elevados, os mercados financeiros americanos atrairão capitais que se dispersaram por mercados emergentes, como o brasileiro, em busca de oportunidades, enquanto as taxas nos Estados Unidos permaneceram muito baixas.

Por esticarem o olho para oportunidades, os fluxos de investimento externo no mercado de ações, diferentemente daqueles destinados a inversões na compra, ampliação ou modernização de empresas, tendem a ser mais voláteis e instáveis. São capitais que buscam normalmente ganhos mais imediatos. Mas, ainda que com características oportunistas, ingressando e saindo dos mercados a qualquer momento, esses capitais trazem benefícios ao irrigar os mercados e conferir mais liquidez aos negócios.

Justamente por essas características, não servem para que se conclua que uma economia está num bom e consistente caminho - quando aumentam os fluxos - ou ainda em frágil - quando os fluxos recuam. Enquanto a pobreza ainda aumenta, o desemprego se mantém elevado, com explosão da informalidade, pressionando os salários para baixo, a economia ainda terá um longo caminho até realmente melhorar.