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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Imposto' da inflação sobe arrecadação do governo e cria ilusão tributária

04/05/2022 10h15

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Depois de fechar 2021 com recordes, a arrecadação de tributos continua registrando fortes altas. Em março deste ano, o recolhimento de impostos, contribuições e taxas federais alcançou o maior volume para o mês desde o início da série acompanhada pela Receita Federal, que começa em 1995, há 28 anos.

Não é só a arrecadação federal que está bombando. Os estados também têm apresentado receitas expressivas. Eles deram a maior contribuição positiva para o superávit primário fiscal de R$ 3,5 bilhões em fevereiro, o primeiro resultado positivo desde de fevereiro de 2014, há oito anos, com receitas superando despesas em quase R$ 20 bilhões.

Não houve, no período, criação de nenhum novo tributo ou mesmo aumento em alíquotas de tributos existentes. Se mudou alguma coisa, no conjunto de impostos, contribuições e taxas, foi no sentido inverso, com a redução ou a eliminação de alíquotas, sobretudo em âmbito federal.

O que explicaria então o impulso demonstrado pela arrecadação? A primeira parte da resposta é que a arrecadação cresce quando a economia cresce. Mais produção, mais vendas, mais empregos, mais salários resultam em aumento no volume de tributos recolhidos.

Depois do mergulho da atividade em razão da pandemia, em 2020, a recuperação econômica registrada em 2021 impulsionou a receita pública. A expansão de 4,6% ocorrida configura uma situação de recuperação cíclica, na qual se dá a ocupação da capacidade de produção existente que ficou ociosa no período de contração.

Essa recuperação cíclica alcançou segmentos econômicos com maior carga de impostos. É caso da indústria e, em especial, da cadeia de produção de petróleo. Especificamente nesta última, os elevados lucros obtidos pela Petrobras, com sua política de paridade com os preços de importação, colaboraram para turbinar a arrecadação pública. A alta generalizada nas cotações internacionais de commodities, diversas das quais o Brasil é exportador de destaque, também ajudou a encorpar a arrecadação pública.

Além da recuperação da produção e das vendas, os lucros aumentaram durante a retomada cíclica. Isso ocorreu porque havia ampla capacidade ociosa e, assim, a expansão da atividade não requereu gastos com novos investimentos ou despesas não rotineiras. Lucros maiores também contribuem para aumentar o recolhimento de tributos.

Receitas públicas também crescem com o aumento da inflação — e a inflação está acima dos dois dígitos. A base da cobrança de tributos é o preço dos produtos vendidos e dos serviços prestados. Portanto, se o preço sobe, os impostos e taxas que lá estão embutidos também sobem.

A parcela dos tributos que aumenta somente com o aumento de preços é chamada "imposto inflacionário". Uma taxação "informal", mas efetiva e concreta, pois reduz a renda disponível das pessoas e eleva a arrecadação pública. Com o agravante de que atinge mais duramente as parcelas mais pobres da população, já que faz subir mais intensamente a arrecadação dos tributos sobre o consumo, que proporcionalmente atinge mais o orçamento dos estratos de renda mais baixa.

É uma forma clássica com que governos, em economias desequilibradas, financiam a dívida e os déficits públicos. Quanto desse aumento de arrecadação pode ser considerado permanente ou temporário é questão crucial a ser respondida, e que permanece em aberto, mas o governo Bolsonaro já estará desonerando por conta — reduziu ou zerou, por exemplo, alíquotas do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

Para especialistas em políticas fiscais, essa estratégia de desonerar para impulsionar a atividade, nas atuais circunstâncias, é arriscada. Nas estimativas mais confiáveis, as possíveis alterações na composição do consumo quando muito podem representar entre R$ 45 bilhões e R$ 50 bilhões de ganho permanente na arrecadação, o que deveria limitar bastante a política de desoneração.

Gastar ou reduzir arrecadação por conta de um resultado tributário circunstancial não é novidade. Depois da crise global de 2008, ocorreu algo semelhante. A economia mergulhou em 2009, mas mostrou forte recuperação em 2010 — no último ano do 2º mandato de Lula, o crescimento bateu em 7,5%. A partir de 2011, o governo Dilma transformou o "excesso" de arrecadação em desonerações, com o objetivo de estimular uma atividade econômica que já começava a mostrar sinais de fraqueza. Quando veio a recessão, ficou evidente que a maior parte da alta nas receitas públicas não era estrutural e não passava de uma ilusão tributária.