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Tiro eleitoral da 'PEC do desespero' pode pegar no pé de Bolsonaro
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A "PEC do desespero" avançou no Senado nesta quarta-feira (29) com o anúncio da conclusão do parecer do relator do texto, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). A estabilidade do segundo lugar nas pesquisas eleitorais explica o título de "PEC do desespero" aplicado às medidas propostas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), e reforça a convicção de que seu objetivo é angariar votos em troca de benefícios sociais temporários. A proposta pode ser votada ainda nesta mesma quarta-feira.
Essa nova PEC (Proposta de Emenda à Constituição) promove uma ampliação de programas de transferência de renda já existentes, como o do Auxílio Brasil e o vale-gás. O Auxílio Brasil iria de R$ 400 mensais para R$ 600 mensais, enquanto o vale-gás, hoje de R$ 53 a cada dois meses, seria ampliado para R$ 120 bimestralmente, beneficiando 6,2 milhões de famílias.
Ao anunciar o teor de seu relatório, Bezerra afirmou que, juntamente com as 18 milhões de famílias já atendidas, o benefício abrangeria mais 1,6 milhão de famílias, "zerando a fila de candidatos".
A fila, porém, era de 3 milhões de famílias em abril, e, com base na informação de que o número de elegíveis dobrou de março para abril, com o rápido avanço da pobreza no momento, o número de não atendidos deve já estar maior.
A medida incorpora também novos benefícios, caso do auxílio de R$ 1.000 mensal a caminhoneiros, destinando ainda recursos para bancar transporte gratuito de idosos e produção de etanol. Seriam 900 mil caminhoneiros atendidos e, nas contas do relator, o custo fiscal adicional total das medidas, válidas apenas até o fim do ano, alcançará perto de R$ 40 bilhões.
Mais importante, no parecer de Bezerra — líder do governo Bolsonaro no Senado até dezembro e também relator da PEC dos Precatórios, aquela que abriu caminho para dribles na regra do teto de gastos —, é a imposição de um "estado de emergência" no país. Com essa providência, Bezerra pretende blindar o governo Bolsonaro dos riscos jurídicos de ferir a lei eleitoral.
A lei em vigor veda a concessão de benefícios sociais em ano de eleições sem a devida e anterior previsão no Orçamento aprovado pelo Congresso para o ano em que são os benefícios concedidos. Ao contorná-la, o governo Bolsonaro tenta também reduzir o risco de um "apagão das canetas" na administração pública.
Técnicos do setor público, de acordo com relatos na mídia, estão relutando em produzir e assinar pareceres e outros documentos sobre os benefícios temporários que o governo quer introduzir no período eleitoral. Eles temem serem punidos e multados, como aconteceu com servidores que assinaram pareceres dando guarita à contabilidade criativa que vicejou no governo de Dilma Rousseff. O "estado de emergência" supostamente afastaria esse risco, permitindo a emissão dos pareceres necessários.
Além de procurar escapar da lei eleitoral, a decretação do "estado de emergência", providência claramente sem sustentação na realidade, abre espaço para a obtenção de créditos extraordinários, fora do teto de gastos. A verdade é que a decretação de "estado de emergência", neste momento, a menos de três meses do pleito presidencial no qual o presidente Bolsonaro busca a reeleição, nada mais é do que mais um evidente drible nas regras e normas legais estabelecidas.
A alegação de que a alta extraordinária dos preços dos combustíveis justifica a aplicação da medida não se sustenta porque o problema não é novo, aliás é velho de pelo menos um ano. Não há, por isso mesmo, como fugir da conclusão de que se trata de uma ação com objetivo eleitoral (muito) mal disfarçado.
Uma vez que os benefícios deixarão de ser concedidos logo após as eleições, é possível também classificar as medidas como um estelionato eleitoral institucionalizado. É fraca a alegação de que, na concessão de benefícios, Bolsonaro não pode ir além do ano civil em que se encerra seu primeiro mandato. Se visasse mesmo a favorecer brasileiros vulneráveis, Bolsonaro teria a possibilidade de incluir as medidas nas normas orçamentárias para 2023. Sem isso, trata-se de mais um dos frequentes dribles que o governo, com apoio no Congresso, tem aplicado em leis, regras e normas vigentes.
Por um punhado de presumíveis votos na corrida presidencial, em resumo, Bolsonaro e seu governo está promovendo uma balbúrdia na administração pública. Expõem ao risco de travamento, por disputas judiciais, medidas apenas temporárias e improvisadas, que deviam já serem permanentes há mais tempo.
Criam também novo riscos fiscais, ao turbinar gastos públicos foram das regras de controle e sem provisão definida. Esse pode ser um tiro no pé.
Riscos fiscais ampliados costumam contribuir para fragilizar a taxa de câmbio, desvalorizando o real ante o dólar, e impulsionando a inflação. Com pressão inflacionária, os benefícios concedidos perdem valor de compra, limitando seu efeito social positivo. E, eventualmente, seu valor de troca eleitoral.
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