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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Fiscais de Bolsonaro' trazem risco de violência em postos de combustível

O presidente da República, Jair Bolsonaro, faz gesto como se estivesse com armas nas mãos - DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
O presidente da República, Jair Bolsonaro, faz gesto como se estivesse com armas nas mãos Imagem: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

12/07/2022 15h14

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Está prevista para esta terça-feira (12) uma blitz para fiscalizar o cumprimento pelos postos de combustíveis do decreto do governo federal que obriga a informação do preço dos derivados em 22 de junho. A ação faz parte dos esforços do governo do presidente Jair Bolsonaro para conter altas nos preços cobrados nas bombas, atuando na ponta final, sem enfrentar as causas dos aumentos.

Trata-se de um pacote de medidas que inclui até um canal na internet para denúncias de postos que não estejam cumprindo a exigência determinada por decreto presidencial há uma semana. Não é possível fugir da comparação com os "fiscais do Sarney", cidadãos que denunciavam e até mesmo entravam em conflito nos mercados que reajustavam preços, quando, há 36 anos, o presidente José Sarney implantou o Plano Cruzado, que tabelava todos os preços na economia.

Com a participação de "fiscais do Bolsonaro", o presidente quer segurar os preços constrangendo distribuidores de combustíveis. "A gente vai exigir que a margem de lucro dos tanqueiros e dos donos de postos não seja majorada com a nossa diminuição de impostos", afirmou o presidente há um mês, numa entrevista a uma emissora de TV.

É pouco provável que a pressão evite novas altas nos preços do derivados se as cotações internacionais de petróleo não ajudarem e subirem. Mesmo que os preços internacionais refluam, um dólar em alta pode compensar eventual baixa na matéria-prima e comprometer a manutenção ou redução de preços. O corte de impostos, nas circunstâncias de altas no preço do petróleo ou da taxa de câmbio, pode vir a ser inócuo na bomba, embora prejudicial para o cumprimento das ações sociais do governo federal e estados.

É missão impossível fazer valer as medidas de fiscalização dos preços dos combustíveis nas bombas, completado pelo fato que o decreto que obriga a divulgar os preços em 22 de junho não prevê punição para o descumprimento da determinação. Embora o mercado de distribuição de derivados esteja hoje concentrado em poucas gigantes — Raízen, Ipiranga e Vibra (ex-BR Distribuidora) concentram o segmento —, são mais de 200 distribuidoras regionais, que operam um total de 40 mil postos, de norte a sul do país continental. Controlar qualidade dos produtos, na boca da distribuidora, o que já não é feito como deveria, é uma coisa, mas controlar preços numa cadeia de comercialização ultra-capilarizada é outra, muito mais complicada.

A política de preços praticada pela Petrobras, que determina o padrão do mercado, atrelada aos preços de importação -- ou seja, combinação da cotação internacional e da taxa do dólar -- é a causa do atual ciclo de altas dos preços dos combustíveis e, na sequência, das taxas de inflação. Sem mexer nessa política, as tentativas de conter as altas com tabelamentos, mesmo não declarados, não serão bem sucedidas e só produzirão ineficiências.

É possível que Bolsonaro não esteja preocupado com as consequências negativas do congelamento de preços disfarçado que está botando em marcha e até mesmo com o descumprimento de suas determinações. Como é igualmente patente nas medidas temporárias de cunho social que estão sendo adotadas no atropelo das regras em vigor, às vésperas da eleição, para Bolsonaro, o que importa são os ganhos eleitorais que possa obter. Mostrar que ele faz tudo para segurar preços, mas outros não deixam é o que, de fato, as medidas adotadas objetivam.

No Plano Cruzado, o tabelamento produziu desabastecimento, maquiagem de produtos (para fugir da descrição daqueles tabelados) e a formação de mercados paralelos e ilegais, dando espaço para contravenções variadas. No caso do "Plano Bolsonaro" de controle de preços dos combutívei, também são grandes os riscos, inclusive de ocorrência de conflitos com desfechos trágicos.

Mesmo fechando os olhos, é difícil fugir da evidência de uma escalada de tensão social no ambiente. A campanha pelo armamento da população, liderada por Bolsonaro, sob vistas grossas das autoridades judiciais e policiais, tem se refletido em conflitos cada vez mais violentos entre apoiadores e opositores do governo. A possibilidade de ocorrência de episódios de violência em postos de combustíveis, com a cobrança de agressiva de redução de preços por bolsonaristas, infelizmente, não pode ser descartada e deveria ser considerada com seriedade.