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Guedes só notou urgência da fome em ano eleitoral; discurso antes era outro
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É ligar um holofote e abrir um microfone que o ministro da Economia, Paulo Guedes, não resiste a revelar o mundo de fantasias em que parece viver. Desta vez, foi na posse do novo presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), nesta segunda-feira (18). Guedes voltou a dizer que a economia brasileira vai de vento em popa, enquanto o mundo caminha para uma recessão. "Você deixa um país com R$ 800 milhões de investimentos, marcos regulatórios, mas tem herança maldita", reclamou.
Projeções indicam que a economia brasileira pode crescer 2% em 2022, melhor do que analistas previam antes da derrama temporária e limitada de dinheiro público promovida pelo governo com claros objetivos eleitorais, a partir de abril. Mas esse avanço não parece reunir forças capazes de manter trajetória positiva em 2023. São crescentes as perspectivas de expansão abaixo de 1% e até mesmo de recessão, em 2023.
Além dos arroubos fantasiosos, é bem conhecida a falta de compromisso com a coerência nos discursos de Guedes. Nesta mais recente aparição pública, o ministro se queixou das acusações de que a PEC dos auxílios, recém-promulgada pelo Congresso, tem objetivo populista e eleitoreiro. "Quando se faz transferência de renda, para quem está comendo à lenha poder comprar no supermercado, é eleitoreiro. Então deixa a pessoa morrer de fome?", retrucou Guedes, defendendo o pacote de benefícios sociais limitados ao período eleitoral, com base na necessidade de atender a pobres e vulneráveis com ações de governo.
Não era essa, porém, a disposição de Guedes nem faz muito tempo. Em dezembro de 2020, o ministro assegurava que o "controle de gastos continuava sendo a prioridade". Na ocasião, o ministro declarou, durante participação em encontro de exportadores: "O governo só vai criar um novo programa social se conseguir encaixá-lo dentro do teto de gastos".
Em julho de 2022, a realidade é outra. O governo Bolsonaro e sua equipe econômica, comandada por Guedes, forçaram, com a parceria do Congresso, mais de uma vez a quebra do teto de gastos, a começar com a PEC dos Precatórios, em dezembro de 2021. Na operação mais recente, a da PEC dos Auxílios, até mesmo a controversa decretação de um estado de emergência entrou em campo para garantir a distribuição de recursos fora do teto de gastos e das "prioridades para o controle de gastos".
Também em relação à situação da economia, a realidade não bate com as fantasias de Guedes. Se há uma redução nas taxas de desemprego, ela se dá acompanhada da precarização das ocupações e reduções nos salários habituais. De resto, o governo Bolsonaro soma recordes de pessoas em situação de fome e de insegurança alimentar, sem certeza de que terão o que comer nos dias seguintes. São mais de 30 milhões no primeiro caso e quase metade da população, no segundo, em razão da renda em queda e inflação elevada, sobretudo em alimentos.
Há igualmente distância entre a avaliação das condições fiscais por Guedes e o que mostra a percepção dos operadores do mercado financeiro. As taxas de juros, no mercado, estão em alta, já apontando 14% ao longo de 2023. Outro sinal de desconfiança quanto à situação fiscal ao fim do primeiro mandato de Bolsonaro vem do CDS (Credit Default Swap), um título financeiro usado por investidores para se proteger de riscos de calote em créditos, usado como indicador de risco fiscal.
O CDS Brasil de dez anos ultrapassa, no momento, os 400 pontos. É o mesmo nível registrado em fevereiro de 2009, no ápice da grande crise global de 2008, e apenas abaixo dos 540 pontos de dezembro de 2015, em plena forte recessão do período e já no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Com a perspectiva de recessão mundial, as previsíveis perdas de receitas nos mercados de commodities e consequentes altas do dólar, a montanha de investimentos diretos anunciados por Guedes deve ser considerada com o máximo de cautela. Além do ambiente menos propício, à cotação atual do dólar, os R$ 800 bilhões trombeteados por Guedes equivalem a US$ 150 bilhões, não muito mais do que dois anos de inversões de estrangeiros na economia brasileira.
A última de Guedes, resumindo, é semelhante às anteriores. Não passa de uma incoerente e oportunista fuga da realidade.
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