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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

É falsa a afirmação de Bolsonaro de que banqueiros perdem dinheiro com Pix

29/07/2022 13h29

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O presidente Jair Bolsonaro repetiu, nesta quinta-feira (28), a afirmação de seu ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, de que banqueiros estão assinando manifestos em defesa da democracia e da lisura do processo eleitoral porque estão perdendo dinheiro com o avanço do Pix. O Pix é uma ferramenta eletrônica gratuita de transferência instantânea de recursos, desenvolvida e regulada pelo Banco Central.

"Você pode ver, esse negócio de carta aos brasileiros, à democracia, os banqueiros estão patrocinando. É o Pix que eu dei paulada neles, os bancos digitais que nós facilitamos", disse Bolsonaro a apoiadores, no cercadinho do Palácio da Alvorada. "Estamos acabando com o monopólio dos bancos. Eles estão perdendo poder. Carta pela democracia... Qual ameaça que eu estou oferecendo para a democracia?", completou.

Em mensagem no Twitter, nesta terça-feira (26), Nogueira já vinculara o sucesso do Pix a uma suposta perda pelos bancos de R$ 40 bilhões em tarifas de transações bancárias. A ferramenta, que pode ser usada em celulares, começou a ser desenvolvida em 2018, no governo Temer, sob a presidência de Ilan Goldfajn no Banco Central, e começou a ser operada em novembro de 2020, no governo Bolsonaro.

O volume de dinheiro mencionado é um chute e o argumento, falso. Depois da afirmação de Nogueira sobre as perdas de R$ 40 bilhões dos bancos com o Pix, em sua live desta quinta-feira (28), Bolsonaro mencionou que as perdas em 2022 seriam de R$ 22 bilhões, metade do mencionado por seu ministro e líder das articulações do governo no Congresso. As perdas admitidas pelos bancos, enfim, não passam de R$ 1,5 bilhão, referentes a 35 milhões de transferências e boletos substituídos por Pix.

Já o argumento é falso porque não é verdade que os bancos "estão perdendo" com o Pix. Para começar, é preciso considerar o que o sistema está economizando com a redução do manejo de dinheiro nas agências e caixas eletrônicos. O próprio Banco Central informou, em novembro de 2021, pouco depois de um ano de efetivo funcionamento do Pix, que tinha havido, no período, uma queda de R$ 40 bilhões na quantidade de cédulas de dinheiro em circulação.

Só com transporte de dinheiro, segundo levantamentos do próprio setor, os custos somam mais de R$ 10 bilhões por ano. Essa quantia deve chegar facilmente ao dobro se forem consideradas as despesas com segurança, abastecimento dos caixas e custódia do dinheiro vivo. É de se imaginar o custo de manter devidamente abastecidas de dinheiro não só as 17,5 mil agências bancárias como os 150 mil caixas eletrônicos atualmente em operação.

Outra grande vantagem do Pix para os bancos reside na atração de novos clientes. A adesão ao Pix está promovendo uma intensa bancarização da população, fazendo com que, ao mesmo tempo em que ganham mercado para a oferta de serviços, os bancos possam reduzir custos com a manutenção de agências físicas, à medida em que menos dinheiro vivo é usado nas transações. De 2013 para cá, o número de agências já caiu 25%, e o processo se acelerou depois da implantação do Pix. Entre 2020 e 2021, período em que o Pix já estava disponível, foram fechadas mais de 10% agências das anteriormente existentes.

Não é difícil entender essa linha descendente no número de agências físicas diante dos números gigantes do Pix. Desde a implantação da ferramenta, em pouco mais de um ano e meio, foram realizadas quase 15 bilhões de transações, envolvendo volumosos R$ 7,5 trilhões. São cerca de 120 milhões de usuários, dos quais mais de 90% pessoas físicas, que já cadastraram mais de 450 milhões de chaves de operação.

Levantamentos de abril do ano passado a março de 2022 mostram redução de 20 milhões de transações eletrônicas convencionais e 15 milhões com boletos, possivelmente substituídos por operações via Pix. Mas a tendência de modalidades de transação como transferências eletrônica convencionais, TEDs e boletos é de estabilidade em níveis bem abaixo da movimentação por Pix e cartões de débito ou de crédito. Especialistas concluem que está havendo mais incorporação de usuários de Pix antes fora do sistema bancário do que canibalização de modalidades de transferência, e também do uso de cartões, por novos clientes.

Resumindo a história, por todas as razões são falsas as afirmações de Bolsonaro e Nogueira segundo as quais a adesão de banqueiros aos manifestos em defesa da democracia se devem a perdas financeiras com o Pix. Primeiro de tudo porque os grandes bancos continuam obtendo resultados e lucros recordes, como em 2021 e também 2022, até porque os juros estão altos. Além disso, o fato é que o governo Bolsonaro continua bastante amigável com os bancos.

Uma prova dessa relação amigável é a medida provisória, já aprovada no Congresso e apenas à espera da sanção presidencial, que incluiu o público de baixa renda do Auxílio Brasil e do BPC (Benefício de Prestação Continuada) no grupo de elegíveis ao crédito consignado oferecido na rede bancária. Além de incluir esse novo contingente, a norma aprovada aumenta de 35% para até 45% o limite de comprometimento de renda com o empréstimo consignado, uma modalidade de financiamento com juros menores do que os usuais, mas ainda altos para a quase inexistência de risco de inadimplência. Só mesmo uma modalidade de empréstimo em que a prestação é descontada diretamente do que é depositado na conta bancária do beneficiário poderia aceitar comprometimento de renda tão elevado. Se isso não tem quase risco para o banco, é mais do que arriscado para quem contrata o financiamento.