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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que a 'compra' de votos por Bolsonaro não está funcionando

REUTERS
Imagem: REUTERS

19/08/2022 14h49

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Terminou a rodada de pesquisas eleitorais que aferiram as intenções de voto dos eleitores na primeira quinzena de agosto. O resultado médio agregado de um amplo conjunto delas mostra que Lula mantém-se na dianteira, mas oscilando em torno de um teto, e Bolsonaro reduz a diferença para o líder, mas pouco e lentamente. A um mês e meio do pleito, resumindo, Lula está com metade dos votos válidos, Bolsonaro com um terço.

Esse quadro não deixa de ser surpreendente, pelo menos para aqueles que acreditam na teoria de que pobres votam com o estômago. Na primeira quinzena de agosto, as "bondades" do pacotão eleitoral de Bolsonaro começaram a chegar aos beneficiários. Mas a marcha eleitoral não acompanhou a expectativa de virada ou ainda não foi bem captada pelas pesquisas.

Não se alterou, por exemplo, a intenção de voto das faixas de renda mais baixas, para as quais foi diretamente gasta, num esforço de "compra" de votos, grande parte da carga da caneta Bic de Bolsonaro. O Auxílio Brasil turbinado e ampliado, assim como o vale-gás de valor dobrado, ambos garantidos apenas até dezembro, não parece estar sensibilizando a convicção eleitoral dos beneficiários.

De acordo com as pesquisas, metade dos beneficiários do pacote eleitoral de Bolsonaro continua rejeitando votar no presidente, mais de 60% desaprovam seu governo e 40% preferem votar em Lula. Pesquisas também mostram que esses eleitores de baixa renda sabem que os benefícios foram concedidos por Bolsonaro, mas avaliam que o objetivo do governo atendia mais a interesses eleitorais do que a aliviar dificuldades das pessoas.

De onde viria essa "ingratidão"? Uma resposta possível é: vem do desastroso governo de Bolsonaro, principalmente para os mais pobres. O governo, por exemplo, falhou na pandemia. Não foi só negacionismo com a gravidade do problema ou a insistência em tratamentos ineficazes, ou, mais ainda, no rechaço das vacinas, diretamente por Bolsonaro, que desaguaram hesitações e atrasos com a vacinação.

As falhas no enfrentamento da covid-19, que resultaram em mais mortes e contaminações, deram ao Brasil o indesejado posto de líder do ranking de mortes por milhão de habitantes entre as 20 maiores economias. Por trás das estatísticas, não se pode esquecer, estão pessoas e famílias duramente atingidas.

O governo, também vale lembrar, demorou no apoio econômico aos atingidos e mostrou inação, a partir de um diagnóstico aloprado, em fins de 2020, de que a pandemia estava no fim quando, na verdade, uma segunda e violenta segunda onda já estava se formando. Em consequência, permitiu que ocorresse um longo interregno até o retorno do auxílio emergencial, com consequências dramáticas para a parcela mais vulnerável da população.

Também no combate à inflação, sobretudo na área crucial dos alimentos, o governo Bolsonaro pode ser classificado como desastroso. Quando a pandemia desarticulou as cadeias de produção e venda, promovendo altas nos preços dos produtos — o que foi potencializado, posteriormente, pela guerra na Ucrânia —, encontrou o país despreparado para enfrentar o problema.

Alegar que outros países foram igualmente atingidos por surtos inflacionários não dissolve os sofrimentos causados a quem perdeu acesso à comida. O desmonte das estruturas de segurança alimentar, uma rede arquitetada ao longo do tempo, a partir de meados dos anos 80, promovida pelo governo Bolsonaro, cobrou e tem cobrado um preço elevado sobretudo dos mais pobres. A desvalorização da agricultura familiar, a extinção dos programas de aquisição de alimentos, incluindo o fim dos programas de alimentação escolar e a zeragem dos estoques reguladores resultaram em aumento da fome e das incertezas em relação ao acesso cotidiano regular à alimentação minimamente suficiente.

Mesmo com transferências de renda em valor acima da linha de pobreza, o número de pessoas em situação de fome dobrou de 2020 para 2021, atingindo o recorde de mais de 30 milhões de pessoas. As cenas de pessoas disputando ossos de animais e sobras de alimentos no lixo não são boas ilustrações para propagandas eleitorais.

Desastres de gestão como esses atingiram pessoas, famílias, comunidades e, enfim, um país inteiro. Acreditar que benefícios sociais de curta duração e objetivo claramente eleitoreiro fariam o milagre de apagar os sofrimentos causados a tantos é pedir para ser enganado.

Mesmo pesando tudo isso, porém, não se pode esquecer que a caneta de Bolsonaro gastou carga pesada no projeto de reeleição. Somando cortes de impostos, antecipações de décimo terceiro salário do INSS, liberação de saques no FGTS e as "bondades" propriamente ditas, o governo injetará na economia até dezembro cerca de R$ 300 bilhões, o que equivale a robustos 4% do PIB.

Perto de metade desse volume de recursos já está circulando na economia. É o que pode ajudar a explicar a melhora nas projeções para o crescimento econômico em 2022. Também pode estar aí a explicação para a gradual queda nos índices de rejeição de Bolsonaro e da desaprovação de seu governo.

O ainda elevado custo dos produtos básicos de consumo pode ajudar a manter beneficiários dos auxílios e transferências diretas de renda de mau humor com Bolsonaro. Mas, para outros segmentos de renda, o dinheiro que está entrando no mercado seria justo motivo para avaliações mais cordiais do presidente que tenta a reeleição.

Numa imagem simplificada, é o dono do armazém no qual o beneficiário do auxílio se abastece que pode perceber melhor um alívio nas condições de vida. Também a manicure da esposa do dono do armazém, e assim por diante na cadeia da atividade econômica, acaba sendo beneficiada.

O cotejo dos desastres do governo Bolsonaro com a distribuição de bondades no período eleitoral resulta num saldo que pode ser positivo ou negativo, conforme o ponto de vista político e, principalmente, a posição do cidadão na roda da atividade econômica. Com base nas tendências apontadas pelas pesquisas eleitorais do momento, essa avaliação, transformada em intenção de voto, está indicando que Bolsonaro pode evitar uma derrota em primeiro turno, mas, salvo eventos extraordinários e imprevisíveis, dificilmente conseguirá superar Lula num segundo turno.