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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lula se sai bem no JN, mas recorre demais ao passado e é pouco propositivo

26/08/2022 14h17

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Lula se saiu bem na entrevista ao JN (Jornal Nacional), nesta quinta-feira (25). Não ficou na defensiva, como o presidente Jair Bolsonaro, seu principal oponente nas eleições de 2022, marcando seu discurso com acenos ao centro político e ao mercado financeiro.

Recorreu, porém, demais ao passado, desfiando realizações de seus governos, entre 2003 e 2010, quando questionado sobre planos para um eventual novo mandato. Por isso, acabou sendo pouco propositivo. Foi o caso, por exemplo, já nas considerações finais, quando anunciou que renegociará as dívidas dos brasileiros, afetando hoje 80% das famílias, muitas delas chefiadas por mulheres. Lula não deu qualquer detalhe de como essa renegociação seria feita.

Desta vez, os entrevistadores e o próprio entrevistado dedicaram mais tempo a questões da economia do que o que foi reservado na sabatina com Bolsonaro - oito minutos contra cinco minutos - e Lula voltou a mencioná-los em outros momentos. Ainda assim, temas importantes como o da pobreza, da fome e da insegurança alimentar, atualmente em níveis recordes, não foram abordados, tanto quanto não foram na entrevista de Bolsonaro.

Questões indiretamente ligadas à economia, como a do relacionamento do presidente com o Congresso, também entraram na sabatina. Mais uma vez, Lula não ofereceu indicações mais detalhadas de como pretende conduzir um eventual governo.

No caso do relacionamento com o Congresso, hoje dominado pelo Centrão, como mencionado pelos entrevistadores, Lula afirmou que não vai conversar com o grupo, mas com os partidos que o formam. Não respondeu, contudo, como faria para evitar a continuidade dos orçamentos secretos, que, segundo o ex-presidente, fazem com que Bolsonaro seja um "bobo da corte", pois não cuida nem do orçamento público, "não manda nada".

O aceno de Lula ao centro político veio por dois caminhos. Primeiro, quando listou os três princípios básicos que considera indispensáveis para um bom governo: credibilidade, previsibilidade e estabilidade. Depois, quando encaixou seu vice, o ex-governador Geraldo Alckmin, na equação para o sucesso do novo tripé que elegeu como objetivos de governo.

Lula citou Alckmin com insistência como parte das soluções que oferece. Negou que parcelas radicais do PT (Partido dos Trabalhadores) não tenham engolido o parceiro liberal. "Nunca antes na história do Brasil esse governo teve uma chapa como Lula e Alckmin para ter credibilidade interna e externa e poder fazer a coisa acontecer dentro do Brasil", disse Lula, acrescentando sentir inveja e ciúme de Alckmin, pela forma positiva como o ex-governador tucano foi acolhido no PT.

Nas questões diretamente vinculadas à economia, Lula teve de responder como faria para reequilibrar as contas públicas. O ex-presidente e agora de novo candidato, como em quase toda a entrevista, recorreu ao passado, lembrando como enfrentou os desequilíbrios da economia, principalmente em seu primeiro mandato.

Além de se referir ao novo tripé - credibilidade, previsibilidade e estabilidade - que pretende perseguir, Lula mencionou obras de infraestrutura paralisadas. Disse que pretende retomá-las depois de uma reunião com os governadores, para saber as prioridades em cada estado. Assim "o país vai voltar a andar", disse Lula.

Lula também não entrou em detalhes quando questionado se seu novo governo seria como o do primeiro mandato ou como o do governo Dilma, que levou a recordes de inflação e à maior recessão econômica em 25 anos. Reconheceu erros do governo Dilma, como a contenção dos preços dos combustíveis e o grande volume de isenções tributárias, na tentativa de evitar quedas na atividade econômica, destacando que, no governo Dilma, o desemprego desceu aos níveis históricos mais baixos. Mas não avançou planos. "Eu vou voltar para provar que é possível fazer mais", apenas insistiu Lula.

O tema relevante do meio ambiente quase passou batido, não fosse uma resposta de Lula sobre a rejeição do agronegócio a ele. O ex-presidente afirmou que essa atitude é reação às medidas que tomou para evitar o desmatamento. Lula aproveitou para tentar diferenciar dois tipos de agronegócio - o "fascista", que desmata, e o "sério", que exporta para o mundo e não quer desmatar.

Diferentemente de Bolsonaro, Lula não recorreu a mentiras durante a entrevista. Fez algumas torções da realidade, principalmente na parte em que a sabatina tratou do tema da corrupção em seus governos, ao relacionar os mecanismos legais e institucionais que foram adotados em seus mandatos para enfrenta-la e evita-la. Mas avançou, enfim, em alguns pontos sensíveis de suas antigas narrativas, reconhecendo ter havido corrupção na Petrobras e falta de alternância de poder na China e em Cuba.