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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ao buscar aliviar devedores, Desenrola tenta desenrolar a economia

06/06/2023 15h03

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Depois de alguma enrolação, o governo Lula publicou, nesta terça-feira (6), medida provisória que lança o Desenrola, programa para aliviar dívidas de cidadãos inadimplentes. Se der certo, o Desenrola desempenhará papel importante no destravamento da atividade econômica.

São 70 milhões de brasileiros adultos com dívidas em atraso. O exército de devedores é recorde e representa metade da população adulta do país. O problema atinge contas de luz e água, faturas de cartão de crédito, empréstimos bancários ou financiamentos no comércio.

Qual o objetivo do programa?

O programa faz parte dos esforços do governo para estimular o ritmo de atividade econômica, que ainda está lento.

Um alívio nas dívidas, ao lado do recuo da inflação e o início previsto dos cortes nos juros básicos, pode resultar em aumento da renda disponível na economia, colaborando para reativar o consumo.

A antecipação do 13º salário aos beneficiários do INSS, para junho e julho, injetando na economia cerca de R$ 60 bilhões que só estariam livres no fim do ano, é outra ação nesta mesma direção.

Sem ações ativas do governo, as perspectivas são de freio na atividade econômica ao longo do ano, depois da forte alta do PIB (Produto Interno Bruto), no primeiro trimestre, promovida quase integralmente pelo desempenho excepcional da agropecuária.

Tendência é de freio na atividade

Se a expansão do PIB de 1,9%, entre janeiro e março, se repetisse nos demais trimestres, o crescimento em 2023 chegaria a 7,8%. Mas as projeções apontam expansão de entre 2% e 3%, numa clara indicação de que o fôlego da atividade tende a ser curto, sem estímulos adicionais.

Ao abrir uma janela para limpar o nome de consumidores negativados, o Desenrola, em resumo, objetiva também desenrolar a atividade econômica. Mas são muitos os obstáculos antes que o programa cumpra essa função. A maior dificuldade será fazer com que o alívio numa dívida não conduza ao aumento do endividamento geral e, em consequência, dos riscos de nova alta na inadimplência.

Foi que ocorreu em duas linhas oferecidas pela Caixa, em 2022, no governo Bolsonaro. A primeira, para negativados nos serviços de proteção ao crédito, e a outra, no período entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais, para beneficiários do Auxílio Brasil e do BPC (Benefício de Prestação Continuada), na modalidade de empréstimo consignado — aquele em que a prestação do empréstimo é retirada, automaticamente, do benefício recebido. Ambas as linhas ajudaram a produzir superendividamento e, em seguida, superinadimplência.

Efeito positivo é temporário e de curto prazo

Políticas públicas temporárias de alívio financeiro têm sido testadas, com resultados razoáveis a curto prazo. As experiências aplicadas em vários países, inclusive no Brasil, para mitigar os efeitos da pandemia na renda das pessoas mais vulneráveis, são exemplos.

Assim como nos casos anteriores, o primeiro desafio do Desenrola reside na sua própria implementação.

"A operação do Desenrola não será simples. Terá de ser desenhada uma tecnologia para o aplicativo, que deverá contemplar integração de devedores, credores, serviços de proteção ao crédito e governo. Além disso, sem retomada consistente do crescimento e fortalecimento do mercado de trabalho, o Desenrola pode não passar de uma política enxuga gelo". Lauro Gonzalez, economista, professor da FGV-SP e coordenador do Centro de Microfinanças e inclusão financeira da FGV-SP.

Regras do programa

O público-alvo do Desenrola foi dividido em faixas, lembrando que as dívidas a serem renegociadas devem ter sido contraídas até o fim de 2022.

Para renda até 2 salários mínimos ou inscritos no Cadastro Único:

Refinanciamento de dívidas até R$ 5 mil, com garantia do governo aos bancos que se habilitarem às renegociações das dívidas.

Os bancos serão incentivados a disputar as dívidas em geral, não apenas as bancárias, oferecendo descontos no total da dívida aos tomadores dos novos empréstimos.

Os novos financiamentos poderão ser negociados para quitação em até 60 meses, juros de 1,99% ao mês (26,7% ao ano). Para comparação: a taxa média de um empréstimo pessoal em bancos está em 7,5% ao mês (142,5% ao ano).

Para demais devedores:

A renegociação será restrita aos inadimplentes com o próprio banco.

O governo não dará garantia à operação, mas, em troca do desconto na dívida, o banco receberá incentivos para aumentar a oferta de crédito.

Inadimplentes em até R$ 100:

A dívida bancária terá de "perdoada" pelos bancos que aderirem ao Desenrolar. Na verdade, o perdão será parcial, pois a dívida continuará existindo e tendo de ser quitada, mas deixará de constar dos sistemas de proteção ao crédito, "limpando" para todos os efeitos o nome do devedor, e permitindo que contrate novos financiamentos.