Com tabelamento, risco é rotativo do cartão sumir e voltar disfarçado
A aprovação de um tabelamento para os juros no financiamento rotativo dos cartões de crédito, nesta terça-feira (5), de carona na aprovação da medida provisória do Desenrola, é um caso típico de solução simples e equivocada para um problema complexo.
O rotativo é uma excrescência e um tipo de financiamento predatório, como define o economista Lauro Gonzalez, coordenador do FGVCemif (Centro de Microfinanças e Inclusão Financeira, da Fundação Getúlio Vargas). Não há quem, pobre ou até rico, consiga escapar da inadimplência, se recorrer a essa modalidade de empréstimo.
Em média, a taxa de juros do rotativo é de 450% ao ano, o que significa que o financiamento da fatura do cartão vai obrigar, no fim de 12 meses, um pagamento cinco vezes maior do que a dívida inicial. Uma das origens do problema está na concessão sem critério de cartões de crédito. A frouxidão na análise da capacidade de pagamento do cidadão que recebe o cartão aumenta o risco de crédito, ajuda a jogar os juros nas alturas, e, na volta do parafuso, a fazer explodir o exército de inadimplentes.
Tabelar juros limita crédito
O tabelamento dos juros vai, provavelmente, promover uma "solução" que não resolverá o problema. Como sabemos, depois de nossa longa história de tabelamentos de preços, o "produto" — no caso, o crédito rotativo — vai sumir das prateleiras dos supermercados financeiros. Passado um tempo, voltará disfarçado em outro produto, parecido com o outro, só não previsto na lista de preços tabelados.
É como, já se comentou em outra coluna sobre o tema, tirar o sofá da sala, na tentativa de evitar que filhos fiquem aos amassos com namorados. Sem o sofá, é improvável que os amassos cessem, vão apenas trocar de lugar.
O projeto de tabelamento dos juros do rotativo em até 100% do montante financiado, decidido na Câmara, na carona da aprovação do Desenrola, medida provisória que regulamenta a renegociação de dívidas, segue para o Senado. Ele prevê que, depois da tramitação no Senado, os bancos terão 90 dias para apresentar uma alternativa ao tabelamento aprovado.
Felizmente, os parlamentares resistiram ao fogo de barragem dos bancos e não embarcaram na onda de "desincentivar" os pagamentos com cartões de crédito parcelados "sem juros". A modalidade parcelado sem juros nos cartões de crédito não tem nada a ver com o rotativo, e configura uma estratégia válida de ampliar os níveis de consumo da população, via crédito.
Rotativo e parcelado "sem juros" são diferentes
O "sem juros" desse parcelado deve vir entre aspas porque há, sim, juros, na modalidade. Simplificadamente, os juros do parcelado "sem juros" correspondem à diferença entre o preço à vista e o valor cobrado quando o bem ou serviço é financiado. Um produto ou serviço que, por exemplo, vendido R$ 100 no parcelado, mas que teria desconto de 10%, se pago à vista, terá juros mensais de 3,2% ao mês, ou mais de 45% ao ano.
Parcelado "sem juros" e rotativo no cartão de crédito são modalidades diferentes de financiamento. O parcelado "sem juros" é o financiamento ao consumidor pelo vendedor — que, por sua vez, paga uma taxa ao banco emissor do cartão pelo adiantamento do que receberia numa venda a prazo. O rotativo é o financiamento do valor da fatura do cartão de crédito no vencimento.
Na fatura do cartão de crédito, estão registrados os valores mensais das parcelas financiadas sem juros. Mas daí a concluir que essa modalidade de financiamento é a causa das distorções do rotativo, como aventaram representantes de bancos e o próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vai uma enorme distância.
Desincentivar o parcelado "sem juros", impondo-lhe taxas ou limitando o número de parcelas, não vai acabar com a modalidade, se o resultado das bem conhecidas experiências históricas de tabelamento prevalecerem. Servirá apenas para encarecer o financiamento e, em consequência, aumentar o risco de inadimplência. Haverá sempre um jeito — e um custo — de fazer a prestação caber no orçamento do consumidor.
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