Fixação do mercado no fiscal ignora perspectiva de dólar comportado
O roteiro prévio foi seguido à risca pelos diretores do Banco Central, na reunião desta quarta-feira (20) do Copom (Comitê de Política Monetária). A decisão de cortar 0,5 ponto percentual na taxa básica de juros (taxa Selic), de 13,25% para 12,75% ao ano, já tinha sido anunciada na comunicação da reunião de agosto. Assim como o ritmo das reduções até o fim de 2023, também de 0,5 ponto percentual, reforçado no comunicado da reunião de setembro.
Depois da divulgação do comunicado, restaram discordâncias entre especialistas sobre o tamanho e a extensão dos cortes. Um grupo acha que o ritmo de corte pode aumentar para 0,75 ponto, em dezembro, ou, talvez, nas primeiras reuniões do ano que vem. Mas há menos concordância em relação ao fim do ciclo de reduções, com alguns prevendo taxa Selic entre entre 8% e 9% ao ano e outros mais para 10%, no fim de 2024.
Análises vivem samba de uma nota só fiscal
Convergência mais forte mirou no trecho do comunicado em que o Copom comenta a situação fiscal.
"Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o Comitê reforça a importância da firme persecução dessas metas." Trecho do comunicado do Copom, em 21 de setembro
Foram menos de 40 palavras, num parágrafo solto no meio do documento, mas o suficiente para merecer as maiores preocupações de analistas de mercado. Refletindo essas preocupações, os principais veículos da mídia jornalística de abrangência nacional foram unânimes em destacar a cobrança do BC para o cumprimento da meta fiscal pelo governo.
Há uma verdadeira fixação, entre os economistas de mercado, com as fragilidades das contas públicas. A preocupação, obviamente, faz sentido, não só porque os déficits previstos são crescentes, em relação às metas anunciadas. Mas também, e mesmo antes disso, porque gastos públicos excessivos e sem retorno eficaz impactam, negativamente, a dívida pública, bloqueiam espaços para expansão da economia e exigem política monetária restritiva, com a aplicação de juros básicos mais elevados, para tentar conter previsíveis pressões inflacionárias.
Não é o caso, portanto, de esquecer os limites e restrições fiscais. No momento, porém, os cenários para a economia brasileira não podem ser visto como samba de uma nota só. Existe, por exemplo, um setor externo em franca expansão, com impactos importantes na atividade econômica e na marcha da inflação.
Contas externas estão bombando
Um exemplo é o excepcional desempenho da balança comercial em 2023. Até agosto, o saldo alcançou US$ 62,5 bilhões, e as projeções são de que, no conjunto do ano, as exportações superaram as importações em até US$ 90 bilhões. Um recorde desde o início da longa série histórica, iniciada em 1989, lá se vão quase 35 anos.
Costuma ser dito que o exercício de tentar prever as cotações do dólar foi inventado para humilhar economistas. Tendo essa perspectiva em mente, é possível imaginar que, como diriam os redatores dos textos do Copom, no balanço de riscos, existe espaço para um dólar mais comportado, pelo menos nos próximos meses.
As análises mais recentes centram na descrição de um ambiente externo em que queda no crescimento pode resultar em redução dos volumes exportados, mas também de aumento nas cotações das principais commodities agrícolas e, principalmente minerais, caso do petróleo. De um lado, são custos que podem afetar a inflação, mas, de outro, pode resultar em aumento do ingressos de dólares.
Até aqui, em 2023, a atividade econômica foi empurrada por gastos públicos e pela renda gerada principalmente na agropecuária e na indústria extrativa mineral. O avanço excepcional da produção agropecuária e de petróleo repercute, lado da demanda da economia, nas exportações e nos saldos comerciais.
Contas públicas hoje versus contas externas ontem
A despreocupação atual com as contas externas tem origem na boa posição das reservas internacionais mantidas pelo país, sobretudo em relação às limitadas dívidas — pública e privadas — em moeda estrangeira, Não era assim, contudo, nos anos 80 e 90 do século passado, quando a dívida externa elevada levou o país a calotes, diante de reservas escassas. O espaço que as dificuldades das contas públicas ocupam hoje eram então ocupadas pelas o estrangulamento das contas externas.
Se, enfim, a hipótese de uma relativa contenção das cotações do dólar for confirmada, com o superávit do ingresso de dólares pelo lado comercial do setor externo, uma parte das pressões inflacionárias, mesmo com incertezas fiscais, tendem a ser aliviadas. É o que se pode observar neste momento, em que os gastos públicos estão em alta, e a economia cresce acima das projeções, mas a inflação se apresenta mais benigna, embora ainda fora dos limites fixados pelo sistema de metas.
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