José Paulo Kupfer

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Opinião

Debandada de estrangeiros leva dólar a R$ 5,20, e a culpa não é do Lula

A cotação do dólar tem escalado desde que desceu a R$ 4,80 em meados de setembro. Na manhã desta sexta-feira (6), o dólar chegou a superar R$ 5,20, retornando a máximas que não eram registradas desde março, mas ainda longe do recorde de R$ 5,50, no primeiro dia útil do ano e do novo governo Lula.

O Ibovespa, principal índice da Bolsa Brasileira, chegou a afundar quase 1% durante a sessão, recuando a menos a 112 mil pontos, depois de passar de 120 mil pontos em fins de julho. Operadores demonstram desânimo, quase pânico, com a derrubada já prolongada da cotação das ações.

Estrangeiros estão em debandada dos mercados de ativos brasileiros. Só em setembro, retiraram R$ 13 bilhões da praça, fazendo com que o saldo do ano recuasse para R$ 10 bilhões.

Mesmo com uma acomodação, mas ainda com as cotações nas vizinhanças de recordes negativos recentes, parece a descrição de uma economia a caminho de um colapso. Só que não.

Economia real em alta

A economia em questão é a brasileira, em relação à qual as projeções, generalizadamente, estão sendo revistas para melhor, pelo menos no curto prazo. Previsões para o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) vão se aproximando de 3,5% em 2023, com queda na taxa de desemprego e reforço na renda do trabalho.

Enquanto isso, a inflação se acomoda em torno de 5% neste ano, se não ainda dentro do intervalo de tolerância do sistema de metas, bem mais perto dele. Isso em paralelo a um movimento de cortes nas taxas básicas de juros pelo Banco Central.

A razão principal do atual tumulto nos mercados brasileiros pode ser localizada a sete mil quilômetros de distância, num prédio cinza, de estilo caixote, no coração de Washington, a capital americana, sede do Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos).

O rebuliço nos mercados brasileiros — e no resto do mundo — se deve, principalmente, à fuga de capitais para o mercado americano, onde as taxas de juros alcançaram níveis recordes.

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Em um ano, a partir de setembro de 2022, os juros de referência do Fed saltaram de zero para 5,5% ao ano, o nível mais alto desde o já longínquo 2001. Trata-se de uma reação da política monetária (política de juros) à explosão da inflação. A alta de preços chegou perto de 10% em 2022, algo que não acontecia na economia americana há pelo menos 40 anos.

Nuvens de gafanhotos

Os faniquitos nos mercados, nesta sexta-feira, têm relação com a divulgação de dados do mercado de trabalho americano em setembro, com alta na criação de vagas (payroll), em volume que representou o dobro das projeções. A leitura, nos mercados globais foi a de que isso mostrava uma economia resistente ao choque contracionista dos juros, precisando, portanto, de doses extras de elevações nos juros, para controlar pressões de demanda sobre os preços.

Quando as taxas de juros nos Estados ficam mais atraentes, elas exercem uma poderosa força centrípeta sobre os capitais financeiros que circulam pelo mundo em busca de maiores rendimentos. No jargão do mercado financeiro global, o movimento é conhecido como "voo para a qualidade", mas isso não passa de um eufemismo para encobrir o efeito manada, com a produção de nuvens de gafanhotos financeiros, que se deslocam para lá e para cá em busca de ganhos de curto prazo.

Apesar de carregar uma dívida pública crescente, que acaba de chegar a US$ 33 trilhões — o equivalente a um terço da dívida pública global e a 125% do PIB americano, o mercado americano ainda é tido como o mais seguro do mundo.

Dólares saem pelo financeiro e entram pelo comercial

Por isso, quando as taxas sobem por lá, os investidores vendem aplicações em outros mercados, sobretudo nos emergentes, como o Brasil, para obter dólares e transferi-los a aplicações nos Estados Unidos. O resultado se traduz, nos mercados locais, pela queda generalizada dos ativos, simultaneamente à alta das cotações do dólar.

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Fuga de dólares pode se dar por incertezas na economia de onde os capitais saem, mas também pode ter origem simplesmente na ânsia de ganhar mais no mercado ainda tido como o mais seguro - e agora com taxas mais atraentes. Parece ser este último o caso da economia brasileira, na quadra atual.

No Brasil, se há incertezas e atritos no campo fiscal, há também um setor externo pujante, produzindo recordes na balança comercial e compensando, pelo menos em parte, a fuga de dólares. Previsões são de que, em 2023, a diferença entre volume exportado e volume de importações poderá passar de de US$ 90 bilhões, o maior saldo desde o início da série histórica, cujos registros começaram em 1989, há 34 anos.

Dados do Banco Central mostram que, em setembro, o fluxo cambial foi negativo em US$ 1,6 bilhão, pela primeira vez desde maio. Saíram US$ 5 bilhões pelo canal financeiro, mas ingressaram US$ 3,3 bilhões, pelo comercial. No acumulado do ano, o saldo ainda é positivo em US$ 20,6 bilhões.

Juros dos EUA comandam a gangorra das cotações

Resumindo a história, são os juros nos Estados Unidos, com perspectivas de alta ou de manutenção em nível elevado por período prolongado, que estão comandando a atual gangorra das cotações do dólar. Do jeito como ainda funcionam os mercados de ativos globais, quando a coisa piora nos Estados Unidos, piora ainda mais para os demais, principalmente os emergentes, que dispõem de menos instrumentos de defesa.

Diferentemente das narrativas militantes, não foi mérito do governo Lula quando a cotação recuou a R$ 4,70, em julho, nem é culpa dele agora que a moeda americana está valendo acima de R$ 5. Se alguém duvida, basta observar que as projeções para o dólar, de agora até o fim do ano e também em 2024, rodam em torno de R$ 5, em relativo bom comportamento.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • A força que atrai capitais financeiros que circulam pelo mundo para o mercado americana é centrípeta e não centrífuga, como estava originalmente no texto. O erro foi corrigido.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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