José Paulo Kupfer

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Opinião

Dose alta do remédio de juros aplicada pelo BC pode virar veneno

Os economistas do mercado financeiro estão comemorando o aumento de um ponto percentual na taxa básica de juros (taxa Selic), decidida pelo Copom (Comitê de Política Monetária), nesta quarta-feira (11), na última reunião de Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central, e com o voto do futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo.

A comemoração inclui também o anúncio de que, se as expectativas de inflação não cederem, a taxa básica, que subiu agora para 12,25%, poderá ir a 15%, ainda no primeiro semestre de 2025.

Para reforçar, o BC anunciou dois leilões de venda de dólar, na manhã seguinte à decisão, num total de US$ 4 bilhões. As cotações, que já começaram a recuar horas antes do anúncio na alta dos juros básicos ainda no dia anterior, abriram a sessão nesta quinta-feira (12), em queda, mas voltaram a subir ao longo da sessão matutina. Bolsa, que também subiu na quarta-feira e abriu em alta no dia seguinte, recuava no início do pregão da tarde.

Experimento de resultados incertos

Com essa perspectiva de elevação forte dos juros — a taxa de juros real se aproximou de 10%, certamente um novo recorde mundial —, a economia brasileira entra num experimento de resultados incertos. Esse experimento objetiva reverter a trajetória altista da inflação e levar a recuos consistentes nas cotações do dólar. Mas é incerto tanto na contenção, no nível pretendido, das expectativas de inflação quanto no recuo esperado da cotação do dólar.

Na história do sistema de metas de inflação, altas de um ponto percentual em decisões do Copom são muito raras. Em mais de duas décadas, exceto o momento excepcional da pandemia, o Copom só elevou a Selic nesta magnitude um par de vezes, em 2001 e 2002.

O histórico das taxas básicas, nos movimentos de alta, é de avanços graduais, de 0,25 ponto percentual ou 0,5 ponto, com algumas escapadas para 0,75 ponto. Na pós-pandemia, em 2021 e 2002, depois de derrubar a Selic a inéditos 2% ao ano, o Copom promoveu altas sucessivas largas, de 1 ponto ou 1,5 ponto, até deixar a taxa básica em 13,75%.

As correrias em reuniões do Copom que alteraram a Selic em um ponto ou acima são mais frequentes nos movimentos de redução da taxa básica. Ocorreram, por exemplo, com mais intensidade, em 2009 e em 2017.

Depois de elevar a Selic às vésperas da quebra do banco Lehman Brothers, que deu início ao grande crash financeiro e econômico global, em setembro de 2008, com Henrique Meirelles na presidência do BC, o Copom derrubou a taxa básica, ao longo de 2009, de 13,75% para 8,75%, em machadadas de 1 ponto e 1,5 ponto por reunião. Já em 2017, com Ilan Goldfajn na presidência do BC, o Copom reduziu a Selic, em sucessivas e fortes podas, de 13,75% a 6,5%.

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BC perdeu paciência com o fiscal

Ao decidir por uma paulada nos juros, o BC parece querer transmitir a mensagem de que perdeu a paciência com a resistência do governo em cortar gastos para desaquecer a economia.

A isso se somam os temores de que o Congresso continue insensível à necessidade de ajustar as contas públicas, não só aprovando novos gastos, mas dificultando a tramitação de medidas de contenção de despesas, com chantagens para obter e liberar sem transparência recursos sob a forma de emendas parlamentares.

Indicadores e expectativas de inflação pressionada, de atividade econômica aquecida e de evolução rápida da dívida pública de fato estão sinalizando a necessidade de ajustes. O cabo de guerra, com a política fiscal puxando para lado expansionista e a política monetária, para o lado contracionista, leva a um conjunto ineficiente de administração da economia.

Esfriamento da atividade

O mecanismo de ação previsto na paulada despachada pelo Copom opera no esfriamento da atividade econômica. O diagnóstico do Copom, em consonância com o de economistas do mercado financeiro, é o de que a atividade econômica, impulsionada pelos gastos públicos, está rodando acima da capacidade instalada.

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Se, portanto, não há condições de atender a demanda com aumentos de curto prazo na oferta, a tendência é a geração de pressões inflacionárias. O remédio existente é de alta dos juros, cujo efeito é de o de esfriar a demanda excessiva, reduzindo as pressões inflacionárias.

O risco é o de que a economia reaja transbordando o freio previsto, não apenas desacelerando o ritmo de crescimento a ponto de reequilibrar demanda e oferta, mas entrando em trajetória recessiva.

Na aplicação desse tipo de terapia, não se pode esquecer pelo menos duas realidades brasileiras encadeadas. A primeira é a de que mais de 80% dos gastos públicos dizem respeito a programas sociais. A segunda remete ao fato de que uma recessão, num país com pobreza ainda em grau elevado, potencializa os danos, sobretudo sociais, de freadas na atividade econômica.

Dominância fiscal?

Outro problema que torna arriscado um choque de juros, principalmente neste momento, remete a ausência de clareza sobre o que está por trás do aquecimento da economia. Nos últimos tempos, os economistas brasileiros — e o Banco Central — têm sido surpreendidos pelos resultados econômicos, e tais surpresas são indicativo de que não estão sendo captadas mudanças e adaptações estruturais que possam estar ocorrendo na economia.

Além disso, choques de juros não têm a capacidade de corrigir excessos fiscais — na verdade, podem até exacerbá-los, na medida em que estimulariam reação do Executivo e/ou do Legislativo para neutralizar a restrição recessiva. Sem falar que os efeitos da política monetária são defasados no tempo, o que não por coincidência, se traduz em decisões majoritariamente gradualistas na elevação ou no corte de juros básicos.

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Finalmente, antes de um choque de juros, seria útil considerar a hipótese de que o ambiente econômicos se encontre em situação de dominância fiscal. Essa circunstância é de difícil detecção e configura motivo sempre de intenso, polarizado, e inconcluso debate entre economistas.

Em situação de dominância fiscal, altas nos juros acabam exigindo mais altas de juros porque elevam a dívida pública, colaborando com a aceleração da deterioração da relação dívida pública/PIB, e, na sequência, exigindo juros mais altos para rolagem da dívida aumentada.

Tudo isso considerado, não são incomuns os episódios nos quais a dose do remédio dos juros se revela excessiva, transformando-o em veneno. A conferir se, ainda em 2025 ou no ano eleitoral de 2026, o BC de Gabriel Galípolo, o indicado pelo presidente Lula, assim como sete dos noves diretores membros do Copom, não iniciarão novo episódio de corrida para cortar juros.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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