Plano Safra: governo 'morde e assopra' para pressionar Congresso
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O governo Lula parece ter descoberto uma forma talvez mais eficiente de negociar com um Congresso hostil. É a fórmula óbvia de mexer no bolso de deputados e senadores ou de quem eles representam e dependem para seus projetos políticos.
No caso do próprio bolso dos políticos, o governo conta com a ajuda do ministro do STF Flavio Dino, que está apertando o cerco da falta de transparência das emendas parlamentares.
Quanto aos setores que esses políticos representam, apareceu agora a novidade da suspensão da equalização de juros, bancados pelo governo, dentro do Plano Safra, para o segmento da agricultura empresarial, sem afetar a agricultura familiar. Para reduzir juros dos financiamentos rurais, o governo arca com os custos de uma parte deles, sob a forma de um subsídio, com impacto nos gastos públicos.
"Shutdown" dirigido
A justificativa para a suspensão, anunciada nesta quinta-feira (20), em ofício encaminhado aos bancos financiadores pelo secretário da Receita Federal, Rogério Ceron, é a de que o governo só pode gastar, a cada mês, uma fração restrita do Orçamento previsto para 2025, enquanto a este não for votado pelo Congresso.
O Orçamento de um ano deve ser votado no encerramento do exercício fiscal anterior, ficando sujeito a restrições de liberação de recursos enquanto não for votado. A regra, comum em praticamente todos os países, obriga os governos a promover um "shutdown" (desligamento ou corte) de despesas enquanto a peça orçamentária não é aprovada.
Obviamente, a escolha do alvo para o shutdown — recurso previsto nas normas fiscais vigentes — não foi aleatória. A pressão política fica evidente quando, depois de uma imediata reação estridente de associações do agronegócio, logo na manhã desta sexta-feira (21), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, encaminhou consulta ao TCU (Tribunal de Contas da União) "em busca de respaldo técnico e legal", para a retomada dos financiamentos com juros equalizados.
Manobra arriscada
O "morde e assopra" promovido pelo governo, com a intenção evidente de funcionar como um recado à grande bancada do agronegócio no Congresso, para que se empenhe na aprovação rápida do Orçamento, é uma manobra que pode dar certo, mas é arriscada. Principalmente neste momento em que os preços dos alimentos estão pressionando a inflação para cima e a popularidade do presidente Lula para baixo, em meio a uma reforma ministerial.
O Plano Safra é o maior programa de financiamento setorial elaborado pelo governo brasileiro. Para sustentar e incentivar a produção agropecuária, o programa conta, para a safra 2024/2025, com mais de R$ 400 bilhões em linhas de crédito a taxas de juros reduzidas para custeio, investimento e comercialização da produção, divididos entre o agro empresarial e a agricultura familiar. Esse volume representa aumento nominal de 40%, em relação ao total destinado pelo Plano Safra em 2022/2023.
Isso sem falar em outros R$ 100 bilhões e LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio), um título incentivado e isento de impostos. Assim, no total a agropecuária brasileira conta com recursos acima de R$ 500 bilhões, equivalentes a quase 5% do PIB (Produto Interno Bruto) para o desenvolvimento da produção.
A previsão de gastos do Tesouro com equalização de juros, nos financiamentos da agropecuária brasileira é de R$ 16,3 bilhões, na atual safra. Esse valor representa aumento de mais de 30% sobre o montante destinado na safra 2022/2023.
O peso do agro
Esse alto volume de recursos destinados ao setor agropecuário, nas contas públicas expressa a importância do setor na economia brasileira. Embora a participação direta da produção agropecuária no total produzido pela economia brasileira seja baixa, em torno de 6% do PIB, um estudo recente da área de pesquisa macroeconômica do Itaú localizou uma participação estendida acima de 20% do PIB. Nesta métrica, estão incluídas etapas iniciais de processamento industrial da produção, além de serviços de transporte, comércio e outras atividades.
Do ponto de vista do setor externo, o estudo do Itaú conclui que a agropecuária responde por cerca de um terço da corrente de comércio (exportações mais importações). O superávit do setor, em 2024, ficou perto de US$ 110 bilhões, o que compensou, com folga o déficit nos demais setores da economia.
Já quanto ao emprego de mão de obra, a produção primária direta da agropecuária absorve 10% da população ocupada. Mas esse percentual sobe para 17% da população ocupada — cerca de 17 milhões de trabalhadores — quando os demais segmentos da cadeia setorial estendida são incluídos.