José Paulo Kupfer

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Reportagem

'Inflação pode barrar ideias malucas de Trump', diz Scheinkman

José Alexandre Scheinkman é o economista brasileiro em atividade de maior prestígio internacional. Aos 76 anos, continua ativo, produzindo pesquisas, participando de seminários pelo mundo e publicando artigos acadêmicos nas mais importantes publicações internacionais de economia.

Scheinkman é atualmente professor na Universidade de Columbia, em Nova York, com passagens marcantes, num currículo que já soma mais de 50 anos de atividade, pelas Universidades de Chicago e Princeton, da qual é professor emérito.

O carioca Zé Alexandre reside desde meados dos anos 70 do século passado nos Estados Unidos, mas jamais deixou de manter contato com o Brasil e com a economia brasileira. É coautor, com o economista Marcos Lisboa, da "Agenda Perdida", documento com uma ampla análise dos problemas econômicos brasileiros e sugestões para sua solução, oferecido aos candidatos na eleição presidencial de 2002, que se tornou referência liberal progressista no debate dos caminhos para a economia brasileira.

Scheinkman ganhou reconhecimento por seus trabalhos em economia com forte pegada matemática, parte deles aplicados a questões financeiras. O economista, porém, sempre manteve interesse por temas mais gerais, conduzindo seu foco, em tempos mais recentes, a questões ambientais e ao enfrentamento do aquecimento global, de olho principalmente na Amazônia.

É de uma posição privilegiada de observação, que reflete, neste entrevista ao UOL, sobre as motivações da disruptiva agenda econômica do presidente americano Donald Trump e de suas consequências para a economia global. "A experiência indica que Trump vai ter medo da inflação. Se a inflação não cair, ele não vai querer repetir Biden", avalia Scheinkman.

Scheinkman: Trump é o tipo de empresário que sempre se endividou e não pagava as dívidas
Scheinkman: Trump é o tipo de empresário que sempre se endividou e não pagava as dívidas Imagem: Divulgação

O que Donald Trump quer na economia?

Trump tem umas ideias malucas sobre economia. Ele acha que entende tudo, mas não entende, por exemplo, como a economia americana é complementar a outras economias do mundo e quanto as outras economias do mundo são complementares à americana.

Ele também não é bom de fazer contas. A economia da Europa é dez vezes maior do que a economia da Rússia, mas Trump acha que pode ganhar mais negócios com [Vladimir] Putin enquanto se afasta da Europa. É uma conta meio maluca.

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Enfim, é meio complicado saber o que Trump quer. Trump vai querer o que é melhor para ele, pessoalmente, em cada momento.

Mas o que ele quer com essa política de impor tarifas de importação a outros países?

Ele diz que é para trazer empresas americanas de volta, mas isso não vai acontecer. Trump pode querer o que quiser, mas os custos de algo assim seriam enormes para a economia americana.

Vamos só olhar o exemplo do alumínio para entender esses custos. Para produzir alumínio, precisa extrair bauxita e tem de gastar muito em energia elétrica. Você pode trazer a produção de alumínio para o país, mas olha o custo que isso tem. No fim desse roteiro, vai encarecer a produção de alumínio e encarecer a produção do que usa alumínio, como a indústria automobilística e tantas outras.

O que ocorre aqui é um negócio que às vezes se esquece também no Brasil que é o efeito de algum tipo de proteção tarifária para a indústria local. Muitas vezes, quando você protege uma indústria, você desprotege outras.

No primeiro governo Trump, com essa mesma política, muitos fabricantes de eletrodomésticos maiores — máquina de lavar roupa, geladeira etc. — se mudaram para o Canadá ou ampliaram suas linhas de montagem lá. Não se pode esquecer que a produção industrial é cada vez mais integrada.

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A indústria automobilística americana, pelo menos a mais antiga, com suas fábricas em Michigan, que ainda é setor muito importante, é completamente integrada com a indústria automobilística do outro lado da fronteira, em Ontário, no Canadá.

Os preços já estão subindo, antes mesmo de medidas concretas.

Não sei se esses aumentos de preço já podem ser atribuídos aos anúncios de Trump. O impacto da inflação é mais lento. Começa com um aumento de preço de um produto porque os preços dos insumos aumentaram, depois é que vêm outros. É um processo mais lento.

Mas deixar de investir porque não sabe como vai ficar amanhã, isso é mais rápido. Deixar de consumir bens de maior valor também. O consumidor pode deixar de comprar um carro, por exemplo, com medo de perder o emprego no futuro próximo.

O que Trump conseguirá com essa política é estagflação, o pior dos mundos da estagnação econômica com inflação alta?

Vai depender do Fed (Federal Reserve, banco central americano). À medida que os preços começarem a aumentar, o Fed vai querer subir os juros para conter esses aumentos. O Fed tem mandato para manter a estabilidade de preços, e isso quer dizer que continuará a perseguir uma meta de inflação relativamente baixa, em torno de 2,5% a 3%. Para isso, terá de puxar juros, não há outro caminho.

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Trump já deu sinais que pode querer tirar o presidente do Fed, isso é bem complicado, mas com o domínio do Congresso pelos republicanos, nunca se sabe se não conseguirá se livrar do presidente do Fed e botar no lugar alguém para baixar juros. Temos de lembrar que Trump é o tipo de empresário que sempre se alavancou, se endividou, e não pagava as dívidas. Esses caras adoram taxas de juros baixas. Trump adoraria um presidente do Fed que fizesse uma taxa de juros negativa.

Com juros baixos, o dólar não ficaria mais fraco, não seria contraditório com o projeto de Trump, essa "América grande de novo"?

A experiência indica que Trump vai ter medo da inflação. Se a inflação não cair, ele não vai querer repetir o [Joe] Biden. O problema do Biden esteve muito ligado à inflação. Acho que está ocorrendo algo parecido no Brasil, onde alguns dos problemas de popularidade do Lula estão ligados à inflação.

Esse é sempre o problema: os governantes não gostam de taxas de juros altas, mas também não gostam de inflação. Depois de um período de estabilização de preços, as pessoas começam a reclamar da inflação, mesmo a inflação ainda em níveis relativamente baixos. Com Biden, o salário médio do trabalhador americano aumentou mais do que a inflação, mas a insatisfação cresceu.

E de onde vinha a insatisfação que foi bater na vitória eleitoral de Trump?

A melhor resposta que vi para essa pergunta, e nem sei se está certa, é a seguinte: quando o sujeito ganha mais salário, ele acha que é mérito dele; quando ele vê inflação, acha que é problema do governo.

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Tem conhecimento de ideias para escapar da necessidade de aplicação de juros altos para conter inflação, no atual ambiente global de dívidas públicas elevadas?

Há preocupação, de fato, na maioria dos países com a evolução das dívidas públicas deles. Como esse é, em geral, um fator de pressão inflacionária, os bancos centrais têm tido de lidar com taxas de juros mais altas, no sentido de conter essas pressões. Mas nenhum banqueiro central tem indicado não levar os déficits e as dívidas públicas em consideração, nem muito menos baixar juros na marra.

Uma saída atraente para os governantes, às voltas com taxas de juros elevadas, freando o crescimento, é aumentar a meta de inflação. Só que, ao aumentar a meta, a tendência é ter mais inflação. E inflação, como acabamos de lembrar, também é problema, talvez ainda maior, para governantes. Resumindo, ainda não há caminhos alternativos para bancos centrais, nem economistas estão em condição de dizer o que é melhor.

Não tem nenhum futuro Prêmio Nobel de economia enfrentando esse dilema e apresentando um caminho alternativo?

Por enquanto não, pelo menos que eu saiba.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.