Regulamentação do Pix pode fazer nota de R$ 200 finalmente circular
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Você já recebeu ou fez algum pagamento com uma nota de R$ 200? Se a resposta é sim, você está num seleto grupo de cidadãos entre os 170 milhões de brasileiros adultos. Mas aos poucos, esse "privilégio" deve ficar mais comum.
Com o aperto da regulamentação para uso de meios de pagamento eletrônicos, quem não pode atender às regras de registro e cadastro para movimentar recursos financeiros de forma legal, vai ser obrigado cada vez mais a efetuar transações com dinheiro vivo.
É aí que o lobo-guará, que ilustra a até hoje quase clandestina nota de R$ 200, pode dar as caras, porque até agora essa nota tem circulação tão rara quanto a de animais da espécie em risco de extinção que a ilustram.
Criada pelo Banco Central na pandemia, para pretensamente atender a uma demanda extraordinária de dinheiro vivo, a nota de R$ 200 nunca teve uma explicação realmente convincente para sua adoção — e de fato sua anêmica circulação comprovou sua desnecessidade. A nota de R$ 200 veio na contramão do que se faz no resto do mundo, onde as cédulas de maior valor estão sendo eliminadas, justamente para dificultar seu uso por criminosos.
Coibir o uso de Pix de cadastrados irregulares é um passo obrigatório no cerco ao crime organizado e criminosos em geral — traficantes de drogas, milicianos, contrabandistas e corruptos. Serão obrigados a operar apenas em dinheiro, para driblar a fiscalização.
As novas medidas para evitar fraudes no uso do Pix — o sistema de pagamentos instantâneo criado pelo Banco Central —, anunciadas nesta quinta-feira, foram recebidas com críticas por parlamentares ligados ao bolsonarismo e à extrema direita, assim como em redes sociais de influenciadores do mesmo espectro político.
As mensagens acusavam o governo de buscar restringir a liberdade das pessoas, visando controlar suas atividades para cobrar impostos e incrementar a arrecadação pública. As acusações são do mesmo teor das que foram disseminadas quando a Receita Federal publicou em janeiro portaria ampliando a relação de instituições financeiras obrigadas a enviar informações sobre movimentações acima de R$ 5.000 mensais.
Sob intenso tiroteio com insinuações de que a medida pretendia, sob a capa de evitar crimes financeiros, cobrar mais impostos das pessoas, a Receita recuou e anulou a ampliação da fiscalização. Agora, porém, no caso dos Pix irregulares, a grita, que se sustenta na insinuação de que também se tratava de medida para aumentar arrecadação, não foi tão longe.
Escaldado pela má repercussão da portaria da Receita Federal, o governo foi rápido em negar qualquer intenção de usar o aperto na regulamentação do Pix para cobrar impostos. Também esclareceu mais rápido não se tratar de medida para forçar acertos de quem tem pendências com o fisco ou impedir o uso do Pix por inadimplentes financeiros. Contribuiu para isso um vídeo do próprio presidente do BC, Gabriel Galípolo, explicando a medida e seus objetivos. A expectativa é a de que a base de dados do Pix esteja limpa das chaves irregulares até julho.
Existem, no momento, pouco menos de 850 milhões de chaves Pix cadastradas por pessoas físicas e 40 milhões de chaves de pessoas jurídicas.
Do total de chaves de pessoas físicas, apenas 1% — 8 milhões de chaves — estão irregulares e são alvo da ação do BC. Cerca de metade das chaves irregulares apresenta alguma inconsistência na grafia e outros 3,5 milhões são chaves não baixadas de pessoas mortas.
No caso das empresas, 95% das chaves estão regulares. Dos 5% restantes, 1,2 milhão apresentam cadastro em inconformidade com os dados de registro na Receita Federal. Há sinais de fraudes em parte dessas chaves.
Chama a atenção, nesses dois episódios envolvendo o Pix, o fato de que adoção de regras para coibir atividades criminosas e fraudes seja frequentemente rejeitada e entendida como golpes de governos para restringir liberdades individuais.
Esse tipo de reação parece ter vinculação com o ultraindividualismo que tem crescentemente regido as relações em sociedade. Observa-se a disseminação da ideia de que a ascensão social e o consequente aumento da renda pessoal são resultado apenas e tão somente do esforço individual.
Está na base dessa ascendente ideologia a classificação de impostos e tributos como "roubo" de parte daquilo obtido pelo esforço individual por governos para uso inadequado e mamatas entre escolhidos.
Responder a patrões, cumprir horários predeterminados por outros, obedecer a leis e normas de regulação do trabalho são alguns dos derivados dessas ideias. É visão um tanto hipócrita, pois não se pode querer os benefícios da vida em sociedade sem seus custos.
É o que pode estar na base do fracasso popular do governo de Joe Biden, nos Estados Unidos, e da derrota eleitoral da candidata da situação democrata Kamala Harris em 2024 para o republicano disruptivo Donald Trump. Pode ser também parte da explicação para o derretimento no Brasil da popularidade do presidente Lula.
No caso de Biden e de Lula, a economia vai relativamente bem, o desemprego chegou a níveis historicamente baixos, a renda do trabalho se mantém elevada, mas a insatisfação com o governo, principalmente em razão da inflação resistente, predomina. O raciocínio dessa parcela crescente de cidadãos conclui que a renda é mérito próprio, enquanto a inflação, que corrói o poder aquisitivo, é culpa do governo.