José Paulo Kupfer

José Paulo Kupfer

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Trump promoverá bagunça comercial global, sem atingir seus objetivos

As primeiras reações concretas ao tarifaço imposto por Donald Trump ao resto do mundo não poderiam ser mais claras: as Bolsas de Valores ao redor do mundo estão derretendo.

Quedas acima de 4%, depois de uma véspera de baixas, são registradas nos mercados de ações nos Estados Unidos, Europa e América Latina, nesta sexta-feira. Na Ásia, as quedas ainda alcançaram 2%, depois de um mergulho no dia anterior. No Brasil, o Ibovespa recuava 3% no meio da tarde, e a cotação do dólar escalava mais de 3%.

No segundo dia do novo regime comercial ultraprotecionista americano, os mercados estão sendo negativamente impactados pela decisão chinesa de retaliar as exportações americanas, sobretaxando-as no mesmo nível de 34% impostos por Trump às importações da China. A reação chinesa confirmou a pior expectativa para o desenrolar da guerra comercial deflagrada pelo presidente americano. Um desastre se desenha no horizonte.

Trump botou o mundo econômico de cabeça para baixo com uma política tosca e amalucada, que, segundo consenso, não produzirá os efeitos pretendidos de reequilibrar o comércio exterior e incrementar a produção local. Ao contrário, as tarifas "recíprocas" determinadas lançarão a economia americana — e o mundo, no rastro dela — num período de recessão e mais inflação.

Para começar, a fórmula que serviu para definir as sobretaxas sobre cada país é severamente criticada pela quase totalidade dos especialistas. Resumindo, cada país foi sobretaxado na metade da diferença percentual entre o superávit comercial mantido por cada país nas suas relações com os americanos e o total de suas exportações para os Estados Unidos.

Trata-se de uma solução de aritmética primária para o objetivo de zerar o déficit comercial americano com o mundo. Este déficit somou, em 2024, US$ 1,1 trilhão. A expectativa de Trump é obter montante de recursos suficiente para compensar as perdas das famílias americanas com o esperado aumento de preços -- estimadas em mais de US$ 5 mil por ano para cada família -- e promover o prometido corte de impostos para o topo da pirâmide. Também espera recuperar a robustez da indústria americana.

Poucos acreditam que Trump conseguirá alcançar seus objetivos. São variados os argumentos capazes de antecipar que Trump não conseguirá alcançar nenhum de seus objetivos com o tarifaço que impôs ao mundo.

As medidas de Trump valeriam para um mundo econômico anterior à grande depressão dos anos 30 do século 20. É conhecido o efeito negativo de uma rodada protecionista americana, exatamente para fugir da recessão que se instalava.

Mas, já se vão 80 anos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos impuseram sua moeda e estimularam, não poucas vezes sob seu poder bélico, a abertura dos mercados locais e a globalização das cadeias de produção. O tipo reviravolta proposto por Trump, é da aplicação de um protecionismo mais abrangente do que nos anos 30 e espantosamente obsoleto. Um retrocesso que ninguém imaginaria possível em pleno século 21.

O famoso economista Jeffrey Sachs, da Universidade Columbia, está certo em argumentar que a sobretaxação, por exemplo, das importações de automóveis pode fazer subir o preço dos veículos sem acabar com o déficit comercial americano no setor.

Continua após a publicidade

Com a proteção, a produção local tende a crescer a custos mais altos e as importações cairiam. Tarifas são instrumentos clássicos de proteção de setores locais menos eficientes que os externos, não servem para conter déficits. Isso porque as exportações de veículos também serão menores, sem falar no quanto haverá restrições adicionais às vendas americanas ao exterior, com as retaliações que os produtos americanos passarão a enfrentar.

Há outras possibilidades, que também apontam que tarifas por países não conseguirão zerar, talvez nem mesmo reduzir significativamente, os déficits comerciais americanos. Imagine-se uma empresa de país que foi castigado com sobretaxa elevada, antes dominante no mercado americano. Ela pode ser substituída por uma outra, também competitiva, de país menos tarifado, capaz de vender nos EUA ainda mais barato que a indústria local. O déficit simplesmente se deslocará de um país para outro, sem diminuir.

Além de provocar recessão e inflação, o tarifaço de Trump promoverá uma bagunça no comércio internacional, com uma imprevisível, mas intensa, danças nas relações comerciais entre países e blocos econômicos. Barrados nos Estados Unidos, supercompetitivos setores de países asiáticos sairão inundando o resto do mundo com seus produtos.

No Brasil, por exemplo, o setor têxtil rapidamente sentiu o calor dos importadores asiáticos de blusinhas, e já pede ao governo que proteja o setor contra a esperada invasão estrangeira. Logo outros setores estarão batendo às portas de Brasília, reivindicando tratamento especial, para enfrentar a concorrência inesperada. Reações semelhantes já se disseminam nos quatro cantos do mundo.

Uma possível esperança de que o mundo não se envolva numa guerra comercial vem do próprio comportamento disruptivo e aleatório de Trump. E se tudo isso não passar de um método tosco de chantagear o oponente para forçar negociações? É o que resta para evitar o pior.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.