José Paulo Kupfer

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Opinião

Pausa no tarifaço aprofunda incertezas e acentua o estresse nos mercados

O recuo de Donald Trump, na imposição de tarifas adicionais de importação ao conjunto de países que exportam para os Estados Unidos, ao contrário do que pareceu, num primeiro momento, não reduziu as incertezas sobre um futuro preocupante para a economia americana e mundial.

Essas incertezas, ao contrário, se acentuaram. O sinal claro de que o estresse econômico global não se dissipou está vindo dos mercados globais financeiros e de commodities, nesta quinta-feira. Depois da forte recuperação que se seguiu ao anúncio da pausa de 90 dias na aplicação de sobretaxas a todos os países, exceto a China, os pregões operam em queda acentuada. Também preocupa — e muito — a onda de venda de títulos do Tesouro americano.

Ao abortar, no último minuto, as tarifas "recíprocas", mantendo apenas uma sobretaxa geral de 10%, concentrando, pelo menos momentaneamente sua guerra comercial à China, Trump consolidou a percepção de que governa de forma errática, sem planos estruturados e estáveis, ao sabor de suas convicções e vontades, exercidas de modo imperial. Disseminou-se o entendimento de que uma biruta de aeroporto, que varia conforme os ventos, é a bússola das ações e ordens do presidente americano, ao mesmo tempo em que se pergunta onde foram parar os famosos pesos e contrapesos da democracia americana.

Tarifas continuam altas

Em seu blog, o economista Paul Krugman, vencedor do Nobel de Economia de 2008 justamente por seus estudos e pesquisas sobre economia internacional, listou alguns dos motivos para a permanência das apreensões gerais, mesmo depois da pausa no tarifaço.

Segundo Krugman, além de ainda persistirem riscos de que se instale uma grande crise financeira global, ao estilo do crash de 2008, as tarifas prevalentes no pós-pausa continuam representando um enorme choque protecionista. O pano de fundo desse ambiente tóxico vem do fato de que, como diz Krugman, "o mundo sabe agora que Trump é, além de errático, fraco".

O economista fez um cálculo das tarifas efetivas agora vigentes, considerando o peso das exportações chinesas para os Estados Unidos, taxadas em inviabilizadores 145%. Krugman diz que o nível tarifário pós-pausa fica apenas um pouco abaixo dos 20% alcançados em 1933 com as sobretaxas impostas pela lei tarifária Smoot-Hawley, de 1930.

Mesmo antes da disseminação dos impactos da elevação de tarifas efetivas, os consumidores americanos já estão vivendo uma antecipação das pressões nos preços e na escassez de alguns produtos. Esse movimento, mesmo antecipatório, foi suficiente para que percebessem que o preço do tarifaço não cairá apenas sobre os exportadores estrangeiros, mas — e com mais intensidade — sobre eles, os consumidores americanos.

Quem vai investir?

Com as incertezas amplificadas — ninguém é capaz de prever quando Trump vai dobrar apostas ou recuar delas —, as empresas tendem à paralisia. Esse é um caminho aberto para contrações na atividade econômica e mesmo para a recessão mais abrangente.

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Que empresário investirá o que for se o futuro está mais incerto do que nunca? Quem vai construir um novo negócio que dependa de importações? E, de outro lado, será que vai valer a pena pensar num empreendimento que se beneficie das tarifas, quando elas podem ser revogadas a qualquer momento? "A incerteza sobre as políticas de Trump é um obstáculo tão grande para a economia quanto as próprias políticas de Trump", observa Krugman.

Onda de venda de títulos americanos

Resta ainda o temor crescente de uma crise financeira. Com a pausa no tarifaço, paradoxalmente, acentuaram-se os movimentos de venda de títulos públicos americanos. O rendimento desses títulos — que aumentam quando crescem os fluxos de venda — já está nas alturas de 5% ao ano, batendo recordes, antes vistos na pandemia e, mais no passado, nas crises de 2008 e 1997.

Especula-se que a China, detentora de imenso volume de títulos do Tesouro americano, pode estar ameaçando se desfazer de papéis da dívida pública americana, como parte da guerra comercial que trava com Trump. Dando suporte a esses temores, analistas influentes em Wall Street começam a mencionar um "momento Lehman", apresentando gráficos das curvas de juros dos últimos dias, em que a situação se assemelha ao cenário em que ocorreu a quebra do banco de investimento Lehman Brothers, em setembro de 2008, deflagrando a última grande crise financeira global.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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