José Paulo Kupfer

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Opinião

Impulsão da economia com investimento privado é 'lero-lero' de Haddad

Pessoas públicas, autoridades de governo, como é o caso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, têm o direito de divulgar suas ideias e desejos sobre políticas de suas áreas de atuação. Mas, ao mesmo tempo, têm a obrigação de deixar claro se tais ideias e desejos são viáveis.

Nesta segunda-feira, em evento de uma instituição financeira, Haddad fez a seguinte declaração:

"A economia tem tudo para ser impulsionada por consumo das famílias e investimentos das empresas. Não precisa de impulso maior do que esse para crescer -- ao contrário, acho que esses são os impulsos corretos para crescer com sustentabilidade". Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Muito bem, Haddad está certíssimo. Uma economia saudável e equilibrada cresce pela expansão do setor privado — consumidores e empresas. Mas tem um probleminha na afirmação: ela não factível, pelo menos no momento atual da economia brasileira.

Assim, a afirmação do ministro não passa de um lero-lero — e dispensável, já que se trata de um lero-lero. Seria melhor que Haddad, ao fazer o enunciado correto, complementasse a afirmação com a lembrança de que, para isso, seriam necessários alguns requisitos que não estão disponíveis neste momento.

Se há exemplos específicos de empresas que estejam investindo, com vistas a aumentar a produção, são sem qualquer dúvida exemplos bem específicos. Em geral, as condições existentes, principalmente as financeiras, não recomendam investimentos produtivos. Ao contrário, são barreiras a pretensões nessa direção.

As taxas de juros muito altas — a básica, referência inferior para as demais, está próxima de 15% nominais ao ano, o que significa uma taxa real acima de 8% ao ano — tornam irrealista qualquer plano de ampliação de negócios, ante taxas de retornos insuficientes para cobrir o serviço — amortização do principal mais pagamento de juros — dos financiamentos. Não por coincidência, o crédito tem se expandido puxado por empréstimos de bancos públicos, BNDES à frente, que oferecem linhas com juros subsidiados.

Na história econômica brasileira, faz muito tempo que as taxas de investimento mal se sustentam em 17% do PIB — o mínimo, se tanto, para repor o investimento existente. No último quarto de século, de 2000 a 2024, foram apenas quatro os anos em que a taxa de investimento chegou a 20% do PIB, um volume insuficiente para garantir ampliação sustentada da produção.

De acordo com levantamentos do FMI, de meados de 2024, a taxa de investimento brasileira se situa entre as 20 menores do mundo. Projeções do FMI para 2029 apontam taxa de investimento brasileira abaixo de 16% do PIB, inferior à global, projetada em 23% do PIB (sem considerar a China, que distorce as médias pela sua taxa muito elevada), idem em relação aos emergentes (26% do PIB) e até na comparação com os países latino-americanos (19,7%).

O baixo volume de investimentos brasileiros em ampliação da produção ou modernização de equipamentos e processos produtivos, afeta diretamente a produtividade da economia. Esta também roda em níveis baixos sob qualquer comparação internacional.

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Costuma-se culpar a baixa produtividade da economia brasileira à pouca qualificação do trabalhador, mas esta visão encobre talvez a parte mais relevante para entender por que a produtividade da economia é consistentemente baixa: a falta de investimento das empresas em máquinas e processos mais modernos.

Não é difícil entender por que o investimento produtivo rasteja no Brasil. Além dos juros altos cobrados nos financiamentos, incertezas sobre a sustentabilidade dos ciclos de expansão da economia e a atração da boa remuneração das aplicações financeiras se combinam para determinar a dificuldade em decidir novos investimentos.

Todo esse ambiente desfavorável aos negócios faz com que a declaração de Haddad só sirva para produzir ilusões. O fato é que a economia brasileira tem se movido por estímulos não privados, cuja base são os programas sociais de concessão de renda a uma enorme massa de cidadãos vulneráveis ou com dificuldades para obter renda própria suficiente para sua sobrevivência decente e de sua família.

São esses programas, ao ampliar gastos públicos, que têm sustentado a circulação de dinheiro, o consumo e a atividade econômica. O lado adverso dessa política é a pressão sobre as contas públicas, potencializando a geração de déficits fiscais e o acúmulo de dívidas públicas.

Os déficits impulsionam a dívida pública e a consequente necessidade de elevar os juros pagos aos tomadores dos títulos lançados pelo Tesouro Nacional para rolar esse endividamento crescente. É nesse ponto que Haddad fez uma outra afirmação, no mesmo evento, esta sim, absolutamente verdadeira.

"Acho ruim a responsabilidade fiscal ser uma atribuição exclusiva do Executivo". Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Inegável que Legislativo e Judiciário têm contribuído, fortemente, para o aumento dos gastos e dos déficits públicos. Não só contribuem para expandir gastos como atuam criando dificuldades para a expansão de receitas.

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Nesse ponto específico, o Executivo também contribui para aumentar as dificuldades na busca do equilíbrio das contas públicas, instituindo tetos de gastos — como o do arcabouço fiscal criado pelo próprio Haddad — que acabam desprezando potenciais receitas. Como as que poderiam ser obtidas com a redução do escandaloso montante de isenções, abatimentos e subsídios concedidos pelo governo ao setor privado.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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