Analfabetismo funcional expõe um país com chocantes desigualdades
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A confirmação de que um terço dos brasileiros entre 15 e 64 anos não consegue entender textos mais longos ou instruções simples, além de não saber fazer operações aritméticas básicas, expõe não apenas uma chaga social, mas também uma barreira gigante a um crescimento econômico mais vigoroso e sustentável.
Publicada nesta segunda-feira, a pesquisa que trouxe a informação vexatória e altamente preocupante do ainda elevado nível de analfabetismo funcional da população, deflagrou uma infinidade de análises e interpretações. Desinformação e viés ideológico deram as caras também em níveis igualmente alarmantes.
Diante da virtual universalização das matrículas no ensino fundamental, promovida há mais de três décadas, a partir do primeiro governo FHC, sobrou para a qualidade do ensino a culpa pelo resultado insatisfatório, que coloca o Brasil na rabeira dos países em termos de avanços educacionais. Meio óbvio que o mau resultado tenha origem no ensino precário fornecido, mas esta é só uma das muitas fragilidades envolvidas na questão.
A má qualidade do ensino é atestada, entre outros indicadores, por pesquisas, com dados de 2023, que apontaram a lamentável realidade segundo a qual um terço dos professores do ensino médio não dispunha de graduação adequada nas matérias que lecionavam. No caso do sexto ao nono ano do ensino fundamental, esse percentual sobe para 40% dos professores.
Há, porém, outros entraves à formação adequada dos alunos. Os números da evasão escolar, por exemplo, também continuam muito acima do aceitável. Nem a melhor qualidade de ensino possível seria capaz de fazer progredir a qualificação de quem está fora da escola. No Brasil, o ciclo educacional básico é de 13 anos, mas embora venha aumentando, o tempo de permanência na escola, na média brasileira, ainda não chega a 10 anos.
Taxas de escolaridade baixas sempre foram umas das principais barreiras na formação educacional dos brasileiros. Informações da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, em 2022, mostravam que 20% dos jovens de 15 a 29 anos não completaram o ensino básico e estavam fora da escola.
O programa "Pé-de-Meia", ao beneficiar estudantes do ensino médio que completam o ciclo do ensino fundamental, teve origem no diagnóstico da alta evasão escolar, principalmente no ensino médio, principalmente por questões econômicas. Lançado no terceiro mandato do governo Lula, em 2023, o programa já teria contribuído para o aumento de 10% no número de candidatos inscritos no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), em 2024, na comparação com o ano anterior, mas ainda não se tem informação mais abrangente sobre seus impactos na reversão da evasão escolar.
Outras causas complementares poderiam ajudar a explicar a elevada percentagem de analfabetos funcionais entre os brasileiros. A pandemia, por exemplo, que fechou escolas por tempo prolongado, certamente contribuiu para que os índices insatisfatórios de 2018 se mantivessem inalterados na avaliação de 2023.
Mas, se o problema é multifacetado, ele é antes de tudo, mais um espelho perverso das chocantes desigualdades brasileiras — de renda, raciais, de gênero e regionais. Não é por coincidência que o analfabetismo funcional é maior entre pretos e pardos, mulheres e cidadãos do Norte e do Nordeste. A renda, também não por coincidência, é mais mal distribuída nesses grupos.
Variada pesquisas e levantamentos confirmam que, em países com altos níveis de desigualdade, como é o caso do Brasil, o nível de renda é o fator decisivamente determinante do desempenho educacional da população. Sem alterar essa condição, nem todo investimento do mundo ou a melhor política pública será capaz de reverter, em prazo razoável, esta vergonha nacional.
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